Parir dói e isso é fato. A propaganda da “horrível e insuportável” dor do parto é por demais divulgada pela mídia. Recheia os dramas televisivos e os cinemas, está presente nas bocas de mulheres e homens (até dos que não passaram pela experiência) como a maior dor que o homem possa sentir na face da terra e assim assombra futuras parturientes, que seguindo o modelo dos seus astros televisivos, fogem sem pestanejar para uma medida enganosamente mais segura e menos dolorida chamada cesárea.
Mas porque parir dói? Porque o parto não é indolor ou até mesmo prazeroso já que visa a procriação da espécie? A natureza seria cruel em maltratar as mulheres em momento tão sublime? A dor do parto tem funções extremamente importantes na hora do parto. Ela mostra o caminho a ser percorrido pelo corpo durante o processo. Ensina em que melhor posição ficar, qual o momento de fazer força, nos ensina instintivamente o que fazer para facilitar o processo fisiológico do nascimento do bebê. É uma dor muito sábia. Vem e vai a cada contração, como as ondas do mar, oferecendo um tempo abençoado para respirar e para descansar até o próximo mergulho. Aos poucos a maré sobe e as ondas crescem, ficam imensas e precisamos da humildade da entrega, de oferecer corpo e alma à prova máxima da natureza humana. É um processo intenso, primitivo, dolorido e às vezes difícil, mas que pode ser uma oportunidade única de intenso contato com nós mesmas, com o mistério da vida e com o pequeno ser que vem ao mundo naquele momento. É preciso apenas um certo autopreparo, apoio, carinho e compreensão de quem assiste a parturiente para que a dor não se transforme em sofrimento e o corpo e a mente não se debatam em cada onda, afogando-se no meio do caminho. A dor do parto nos traz para o presente de forma intensa e talvez seja esta a sua principal função. Coloca corpo, alma, hormônios e sentidos a postos no momento mais sublime e mágico da vida humana. Prontos e vitoriosos, eles irmanam-se fortalecendo a recém-mãe, numa forma preciosa de dar as boas vindas ao novo ser que chega ao mundo através de seus braços. 6/1/2004 Partos AnormaisDomingo pela manhã. A enfermeira entra no quarto da maternidade onde encontra a mãe amamentando sua filha recém-nascida.
- “Nossa!” – exclama simpaticamente a enfermeira – “O que aconteceu para o seu bebê nascer no domingo?” A recém-mãe, sem entender muito bem a pergunta, responde: - “Bem... eu entrei em trabalho de parto ontem à noite e ela nasceu hoje pela manhã...” - “Ah! entendi... aí não deu para segurar e o médico teve que fazer a cesárea?” - “Não, não. Foi parto normal.” - responde a mãe com certo ar de orgulho. - “Ah...” – cara de espanto e silêncio – ”Que bom. Parto normal é bem melhor mesmo, né?” Parece mentira, mas esse diálogo foi verídico. Aconteceu comigo, no dia 26 de agosto de 2002 em uma maternidade particular de Ribeirão Preto. O espanto da enfermeira nos revela um quadro assustador. Os partos “normais” hoje em dia chamam-se cesariana, chegando a representar 90% dos partos atendidos em hospitais privados. O que estaria acontecendo com a humanidade? O corpo feminino teria desaprendido a parir? É um quadro complexo. De um lado tem-se a formação acadêmica e a comodidade que incentivam o médico a intervir bruscamente na fisiologia do parto. De outro, têm-se mulheres apavoradas com a tão temida (e pouco compreendida) dor do parto. Algo precisa ser feito para reverter este quadro. Parir naturalmente faz bem à mãe, faz bem ao bebê, intensifica o vínculo, proporciona a vivência do uno, do inteiro. A maior “arma” para que futuras parturientes saudáveis possam escapar deste ciclo medo-(desne)cesárea é a informação, o preparo consciente e o trabalho para transformar o parto em um momento não apenas prazeroso, mas grandioso, digno e fortalecedor. “O parto não é apenas um ato biológico (...) é um ato de adquirir a maturidade.” – S. Kitzinger (1978). |
Eleonora MoraesPsicóloga pela USP, Doula formada pela ANDO e mãe de 3 filhos. É a mãe maior do Despertar do Parto desde 2004. Arquivo
August 2015
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1/6/2004
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