“Dolorida, mas sublime.”
É assim que a produtora de TV Katia Lopes, 35, define a sensação que viveu no último dia 2 de outubro – quando nasceu Sara – em casa. Para viver a experiência, Katia enfrentou a reprovação da família e de alguns médicos. Chegou a trocar quatro vezes de obstetra. A certeza de que Sara nasceria em casa ocorreu quinze dias antes do parto –quando em um consulta de rotina no hospital ouviu de médicos e enfermeiros que sua filha estava em sofrimento e que deveria fazer uma cesárea de urgência. Katia buscou uma segunda opinião e recebeu um laudo afirmando que a bebê estava bem. “Não quis mais pisar naquele hospital”, diz a mãe que temia entrar para a “estatística das cesárias desnecessárias”. O parto O sofá e a mesa de jantar deram lugar a uma piscina plástica. Gritos, lágrimas, socos na parede e arranhões no marido foram constantes nas quase nove horas de trabalho de parto. “A dor é muito intensa. Não tem para onde correr. Cheguei a pensar em desistir da ideia de ter minha filha ali, mas eu lutei tanto para tê-la em casa, que decidi suportar a dor”. Sara nasceu às 8h50 na cama de seus pais, rodeada pela avó materna, duas parteiras, duas amigas e uma doula –profissional treinada para fornecer conforto emocional e físico à mulher. “Faria tudo de novo”, diz a mãe 15 dias após o parto. Parto humanizado O nascimento em casa é uma das formas de humanizar o parto. As mães evitam intervenções médicas rotineiras nos hospitais como anestesias, ocitocina (hormônio estimulante ligado a contrações musculares), episiotomia (corte cirúrgico feito no períneo, região muscular que fica entre a vagina e o ânus), além de jejum prolongado, lavagem intestinal e raspagem de pelos. “O parto é um evento fisiológico onde a mulher é a protagonista, não o médico. Ela diz quais posições são mais confortáveis. Ela decide se quer deitar, andar ou comer”, explica Jorge Kuhn, ginecologista e obstetra, defensor do parto humanizado. O especialista lembra que há muitas mães que sequer cogitam a possibilidade de sentir a dor de parto por medo. “Não é uma dor como a de dente que significa que algo está errado. A dor durante o trabalho de parto é necessária para que a mãe elabore hormônios que ajudarão no nascimento do bebê”. “Após o parto, fiquei no meu quarto, usei o meu banheiro, dormi com minha filha na minha cama”, conta a atriz Talitha Pereira, 29, que deu luz à Lis, em setembro de 2008, em casa. A professora de Educação Física Marcelly Ribeiro, 32, também optou ficar em casa no nascimento de Olívia, 3, e Inácio, 2 meses. “É assustador para muitas mulheres perder o controle da situação. Durante o parto, você não consegue ‘manter a pose’. Grita, chora, é irracional. Mas [os dois partos domiciliares] foram as maiores experiências de autoconhecimento pelas quais passei. É incrível ver a natureza trabalhando”, conta. Todas as mães ouvidas pela reportagem afirmaram que a recuperação após o parto foi rápida. Riscos O parto domiciliar só é permitido nos casos em que a gravidez é de baixo risco e não há nenhum fator complicador para o parto vaginal. O procedimento exige a disponibilidade de enfermeiras-obstetras ou parteiras domiciliares certificadas, além da garantia de transporte rápido e seguro para um hospital próximo em caso de problemas –o chamado de “plano b”. “Não é pelo fato de estar no hospital que significará que o bebê ou mãe serão salvos, mas estar ali facilitaria a ação do médico no caso de alguma complicação”, diz Silvana Morandini, conselheira do Cremesp (Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo). Em junho de 2011, o órgão publicou um edital desaconselhando médicos a realizarem o procedimento em casa. Segundo a Febrasgo (Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia), as complicações ocorrem em 15% dos partos vaginais. Entre os problemas listados estão o sofrimento fetal, atonia uterina (quando o útero não contrai após o parto e pode gerar uma hemorragia), deslocamento de placenta e laceração vaginal. No Brasil, não há levantamentos no Ministério da Saúde sobre o número de óbitos de mães ou bebês em partos domiciliares. Também não há no país um estudo conclusivo sobre esse tipo de nascimento e nem amostragem suficiente para que se possa afirmar a segurança do procedimento. “Fico chocado quando vejo uma mulher tendo o filho em casa. Falam sobre os nascimentos do passado –em casa, com parteiras– para justificar a ação, mas se esquecem de dizer quantas mães e bebês morreriam naquela época”, aponta Drauzio Varella, médico e colunista da Folha. “Fiquei o tempo todo ao lado da Katia [mãe acompanhada pela reportagem]“, afirma a professora do curso de Obstetrícia da USP (Universidade de São Paulo) Adriana de Souza Caroci. “Desde os dois centímetros de dilatação até o nascimento. Eu perceberia se ocorresse alguma coisa errada com a mãe ou com a bebê”, diz a parteira. Em números Dados do Ministério da Saúde mostram que em 2010 foram realizados 26.047 partos domiciliares. O número significa 0,9% dos 2.859.600 partos realizados no país. Desse total, 52,2% foram cesarianas e 47,8% partos normais. A OMS (Organização Mundial de Saúde) considera aceitável um índice de até 15% de cesáreas. Ainda segundo o Ministério, a incidência de morte materna associada à cesariana é 3,5 vezes maior do que no método natural. Fonte: Folha de S.Paulo |
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June 2013
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27/11/2012
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