Doula defende volta ao parto natural
Artigo publicado no jornal "A Cidade em 4 de agosto de 2007'
www.jornalacidade.com.br/noticias/57367/doula-defende-volta-ao-parto-natural.html
Sabado, 4 de Agosto 2007 - 18h57
Doula defende volta ao parto natural
Adriano Quadrado
WEBER SIAN
PRIMEIRA DOULA DE RIBEIRÃO Eleonora Moraes usa boneco para ilustrar as etapas do parto nas oficinas que realiza com gestantes e casais
Eleonora engravidou pela terceira vez há cinco anos. A gravidez parecia ter vindo em má hora. Psicóloga, ela queria naquele momento se dedicar à carreira. Como o aborto não era opção, Eleonora teve de mudar seus planos:
“Resolvi parar e ficar grávida mesmo, assumir a maternidade, cuidar das minhas crianças”. A decisão iria mudar sua vida, inclusive profissional. Eleonora ainda não sabia, mas estava aberto o caminho para ela se tornar uma “doula”, a primeira de Ribeirão.
Doula é uma palavra que ainda não existe nos dicionários. Vem do grego e significa algo como “mulher que serve outra mulher”. Na prática, é uma assistente não-médica que dá suporte físico e emocional à gestante na hora do parto. Ajuda com exercícios e massagens, diz palavras de conforto, sugere posições menos dolorosas.
Eleonora Moraes, hoje com 35 anos, conta que seu último parto foi um desafio. O obstetra havia dito que o bebê nasceria de cesariana: ele não estava encaixado na posição correta e a espessura do colo do útero não era adequada.
Parto normal
A futura doula bateu o pé, trocou de obstetra e foi ter com sucesso seu bebê de parto natural. Ela, que já havia passado por uma cesariana, percebeu a diferença entre as duas experiências. No parto normal, não houve o “vazio” sentido na cesariana. A partir daí, iniciou o projeto Despertar do Parto e, há três anos, começou a atuar como doula. Recebeu o apoio da amiga Helena Junqueira, que também se tornou ajudante de parto. As duas hoje fazem parte da Rehuna, a Rede pela Humanização do Parto e Nascimento, com membros em todo o país.
Processo natural
A idéia dos defensores da humanização do parto é muito simples. Eles vêem o nascimento como um processo natural, que só em casos de risco real deveria se tornar um ato médico.
“Existe hoje uma idéia de incapacidade do corpo feminino, a idéia de que a mulher só consegue parir com segurança dentro de uma sala de cirurgia. Nossa sociedade trata a mulher como máquina que falha”, diz Eleonora.
Quem defende a volta às origens não nega os avanços da medicina e a capacidade de salvar vidas em partos de risco. Apenas acha que a cesariana deveria ser exceção e não regra, como acontece hoje. No Brasil, as maternidades particulares chegam a registrar taxas de até 95% de cesarianas.
Ajuda da doula
O trabalho da doula começa no período pré-natal. “Ela faz a orientação durante a gestação, traz informações e dá dicas para a gestante escapar de cesarianas desnecessárias”, ensina Eleonora.
Um dos trinta partos que ela acompanhou até agora foi o de Regina Coelho da Silva, de 37 anos, que teve sua primeira filha há pouco mais de um mês. “No início, queria a cesariana, achei que ia entrar dormindo e sair com meu bebê”, conta a mamãe recente.
Depois de receber as informações, mudou de idéia e quis tentar o parto normal. Conta que só conseguiu o queria por causa da ajuda da doula.
“Meu trabalho de parto durou 40 horas porque demorei para dilatar. Como estava com a doula, pude ir para o hospital só no dia seguinte, bem depois de as contrações terem começado. Se estivesse sozinha, com certeza o parto ia acabar em cesariana”.
Diretor da Sinhá Junqueira apóia redução de cesáreas
O diretor clínico da maior e mais tradicional maternidade particular de Ribeirão Preto concorda que há cesarianas demais na cidade e no país.
Mais do que isso. Luiz Alberto Ferriani, obstetra e diretor da maternidade Sinhá Junqueira, se diz “radicalmente contra” a cesárea de hora marcada.
“É preciso, no mínimo, esperar até o final da gravidez. A mulher tem que, pelo menos, entrar em trabalho de parto, mesmo que ela opte pela cesariana”, diz ele.
Ferriani acha que o número de intervenções cirúrgicas é elevado na própria maternidade que dirige, onde, segundo ele, acontecem em até 90% dos partos.
“Existe hoje um preconceito contra o parto normal. Para mudar isso, só mudando a cabeça dos médicos, mas principalmente das próprias gestantes”.
O obstetra vê com simpatia o trabalho das doulas. “O ideal seria o obstetra ter tempo de acompanhar a gestante o tempo todo, mas, como o médico está sobrecarregado, a doula acaba assumindo esse papel e é muito bem-vinda”.
A opinião é compartilhada pelo obstetra Bruno Ramalho de Carvalho, que faz partos na Sinhá Junqueira e tem contato com as duas doulas de Ribeirão.
Ele entende que a humanização da obstetrícia nada mais é do que “o resgate de práticas e valores comuns que foram esquecidos”. Carvalho diz que há estatísticas que colocam o Brasil como o segundo país que mais faz cesáreas. “A meta da Organização Mundial de Saúde é uma taxa máxima de 15% de cesarianas”.
Segundo a prefeitura de Ribeirão, nascem em média, por dia, 27 crianças na cidade, 20 delas de casais que aqui moram. Pouco mais de 30% dos bebês nascem de parto natural.
Proposta do parto ativo vai muito além da ‘musiquinha’
A idéia do que seja parto humanizado muda de acordo com o freguês. Na maternidade Sinhá Junqueira, por exemplo, a iluminação é reduzida, a equipe é instruída para falar o mínimo possível e, na hora do nascimento, o bebê é recebido com música infantil.
Para quem levanta a bandeira da volta da mulher como protagonista do parto, isso é pouco. “Parto humanizado, para a gente, é muito mais que colocar uma musiquinha”, brinca a doula Eleonora Moraes.
O termo utilizado pelos defensores da volta às origens é “parto ativo”. Ativo porque, neste caso, quem está no comando é a mulher. Quem faz o parto é ela, não o médico.
Na vertical
No parto ativo, o ponto central é a posição vertical da mulher na hora de parir. Nos hospitais, a gestante é colocada deitada de costas. Essa posição dificultaria a saída do bebê. A posição vertical (de cócoras ou em banquinhos especiais) ajudaria o parto porque a gravidade se torna uma aliada, ajudando o bebê a fazer sua passagem pelo canal vaginal.
O diretor clínico da maternidade Sinhá Junqueira, Luiz Alberto Ferriani, concorda que a gestante deve ficar na vertical antes do momento da expulsão do bebê.
“A posição vertical é absolutamente válida. A própria ação da gravidade ajuda na dilatação, atenua as contrações”, afirma o obstetra. Na hora da saída do bebê, porém, Ferriani diz que é de praxe que a gestante se deite. Ele não nega, entretanto, a possibilidade de um parto na vertical do começo ao fim em sua maternidade, mesmo que isso ainda não tenha acontecido.
Outra luta das defensoras do parto natural é a amamentação ainda na primeira hora de vida do bebê. Apesar de defendida pelo Ministério da Saúde e pela Sociedade Brasileira de Pediatria, a prática muitas vezes não é respeitada pelos hospitais.
www.jornalacidade.com.br/noticias/57367/doula-defende-volta-ao-parto-natural.html
Sabado, 4 de Agosto 2007 - 18h57
Doula defende volta ao parto natural
Adriano Quadrado
WEBER SIAN
PRIMEIRA DOULA DE RIBEIRÃO Eleonora Moraes usa boneco para ilustrar as etapas do parto nas oficinas que realiza com gestantes e casais
Eleonora engravidou pela terceira vez há cinco anos. A gravidez parecia ter vindo em má hora. Psicóloga, ela queria naquele momento se dedicar à carreira. Como o aborto não era opção, Eleonora teve de mudar seus planos:
“Resolvi parar e ficar grávida mesmo, assumir a maternidade, cuidar das minhas crianças”. A decisão iria mudar sua vida, inclusive profissional. Eleonora ainda não sabia, mas estava aberto o caminho para ela se tornar uma “doula”, a primeira de Ribeirão.
Doula é uma palavra que ainda não existe nos dicionários. Vem do grego e significa algo como “mulher que serve outra mulher”. Na prática, é uma assistente não-médica que dá suporte físico e emocional à gestante na hora do parto. Ajuda com exercícios e massagens, diz palavras de conforto, sugere posições menos dolorosas.
Eleonora Moraes, hoje com 35 anos, conta que seu último parto foi um desafio. O obstetra havia dito que o bebê nasceria de cesariana: ele não estava encaixado na posição correta e a espessura do colo do útero não era adequada.
Parto normal
A futura doula bateu o pé, trocou de obstetra e foi ter com sucesso seu bebê de parto natural. Ela, que já havia passado por uma cesariana, percebeu a diferença entre as duas experiências. No parto normal, não houve o “vazio” sentido na cesariana. A partir daí, iniciou o projeto Despertar do Parto e, há três anos, começou a atuar como doula. Recebeu o apoio da amiga Helena Junqueira, que também se tornou ajudante de parto. As duas hoje fazem parte da Rehuna, a Rede pela Humanização do Parto e Nascimento, com membros em todo o país.
Processo natural
A idéia dos defensores da humanização do parto é muito simples. Eles vêem o nascimento como um processo natural, que só em casos de risco real deveria se tornar um ato médico.
“Existe hoje uma idéia de incapacidade do corpo feminino, a idéia de que a mulher só consegue parir com segurança dentro de uma sala de cirurgia. Nossa sociedade trata a mulher como máquina que falha”, diz Eleonora.
Quem defende a volta às origens não nega os avanços da medicina e a capacidade de salvar vidas em partos de risco. Apenas acha que a cesariana deveria ser exceção e não regra, como acontece hoje. No Brasil, as maternidades particulares chegam a registrar taxas de até 95% de cesarianas.
Ajuda da doula
O trabalho da doula começa no período pré-natal. “Ela faz a orientação durante a gestação, traz informações e dá dicas para a gestante escapar de cesarianas desnecessárias”, ensina Eleonora.
Um dos trinta partos que ela acompanhou até agora foi o de Regina Coelho da Silva, de 37 anos, que teve sua primeira filha há pouco mais de um mês. “No início, queria a cesariana, achei que ia entrar dormindo e sair com meu bebê”, conta a mamãe recente.
Depois de receber as informações, mudou de idéia e quis tentar o parto normal. Conta que só conseguiu o queria por causa da ajuda da doula.
“Meu trabalho de parto durou 40 horas porque demorei para dilatar. Como estava com a doula, pude ir para o hospital só no dia seguinte, bem depois de as contrações terem começado. Se estivesse sozinha, com certeza o parto ia acabar em cesariana”.
Diretor da Sinhá Junqueira apóia redução de cesáreas
O diretor clínico da maior e mais tradicional maternidade particular de Ribeirão Preto concorda que há cesarianas demais na cidade e no país.
Mais do que isso. Luiz Alberto Ferriani, obstetra e diretor da maternidade Sinhá Junqueira, se diz “radicalmente contra” a cesárea de hora marcada.
“É preciso, no mínimo, esperar até o final da gravidez. A mulher tem que, pelo menos, entrar em trabalho de parto, mesmo que ela opte pela cesariana”, diz ele.
Ferriani acha que o número de intervenções cirúrgicas é elevado na própria maternidade que dirige, onde, segundo ele, acontecem em até 90% dos partos.
“Existe hoje um preconceito contra o parto normal. Para mudar isso, só mudando a cabeça dos médicos, mas principalmente das próprias gestantes”.
O obstetra vê com simpatia o trabalho das doulas. “O ideal seria o obstetra ter tempo de acompanhar a gestante o tempo todo, mas, como o médico está sobrecarregado, a doula acaba assumindo esse papel e é muito bem-vinda”.
A opinião é compartilhada pelo obstetra Bruno Ramalho de Carvalho, que faz partos na Sinhá Junqueira e tem contato com as duas doulas de Ribeirão.
Ele entende que a humanização da obstetrícia nada mais é do que “o resgate de práticas e valores comuns que foram esquecidos”. Carvalho diz que há estatísticas que colocam o Brasil como o segundo país que mais faz cesáreas. “A meta da Organização Mundial de Saúde é uma taxa máxima de 15% de cesarianas”.
Segundo a prefeitura de Ribeirão, nascem em média, por dia, 27 crianças na cidade, 20 delas de casais que aqui moram. Pouco mais de 30% dos bebês nascem de parto natural.
Proposta do parto ativo vai muito além da ‘musiquinha’
A idéia do que seja parto humanizado muda de acordo com o freguês. Na maternidade Sinhá Junqueira, por exemplo, a iluminação é reduzida, a equipe é instruída para falar o mínimo possível e, na hora do nascimento, o bebê é recebido com música infantil.
Para quem levanta a bandeira da volta da mulher como protagonista do parto, isso é pouco. “Parto humanizado, para a gente, é muito mais que colocar uma musiquinha”, brinca a doula Eleonora Moraes.
O termo utilizado pelos defensores da volta às origens é “parto ativo”. Ativo porque, neste caso, quem está no comando é a mulher. Quem faz o parto é ela, não o médico.
Na vertical
No parto ativo, o ponto central é a posição vertical da mulher na hora de parir. Nos hospitais, a gestante é colocada deitada de costas. Essa posição dificultaria a saída do bebê. A posição vertical (de cócoras ou em banquinhos especiais) ajudaria o parto porque a gravidade se torna uma aliada, ajudando o bebê a fazer sua passagem pelo canal vaginal.
O diretor clínico da maternidade Sinhá Junqueira, Luiz Alberto Ferriani, concorda que a gestante deve ficar na vertical antes do momento da expulsão do bebê.
“A posição vertical é absolutamente válida. A própria ação da gravidade ajuda na dilatação, atenua as contrações”, afirma o obstetra. Na hora da saída do bebê, porém, Ferriani diz que é de praxe que a gestante se deite. Ele não nega, entretanto, a possibilidade de um parto na vertical do começo ao fim em sua maternidade, mesmo que isso ainda não tenha acontecido.
Outra luta das defensoras do parto natural é a amamentação ainda na primeira hora de vida do bebê. Apesar de defendida pelo Ministério da Saúde e pela Sociedade Brasileira de Pediatria, a prática muitas vezes não é respeitada pelos hospitais.