A obstetrícia brasileira precisa mudar. Uma pesquisa realizada em 1998 pelo Conselho Regional de Medicina - SP nas maternidades do estado de São Paulo (diga-se de passagem, o estado mais rico e populoso do Brasil) revela a chamada “estatística da vergonha”, ou seja, altos índices de cesáreas desnecessárias e altas taxas de mortalidade materna e neo-natal, deflagrando a necessidade de reorganização do ensino médico, modificação da prática da assistência médica e mudanças culturais na população.
Muito mais do que diminuir as taxas de cesarianas, falta à obstetrícia e à sociedade brasileira entender o que existe por detrás da vivência de um parto normal e ativo na vida da mulher e da família. A mulher que experimenta parir o filho com as próprias forças, sendo assim tomada pela revolução hormonal em seu corpo, tem a possibilidade de fortalecer-se de maneira única em sua vida. Diversos estudos mostram o que muita mulher já experimentou na história da humanidade: uma prontidão exuberante para receber o recém-nascido e poder amamentá-lo, acariciá-lo, cuidá-lo com destreza e confiança após a vivência de um parto ativo. Confiança talvez seja a palavra chave para esse entendimento a que me refiro. Quando um profissional do parto diz à mulher (e ela silenciosamente consente), após poucas horas de trabalho de parto ou antes mesmo dele ter início, que o seu nenê não irá nascer naturalmente por motivos diversos, inconsistentes e questionáveis (refiro-me a nenê grande, cesárea anterior, colo de útero grosso, cordão umbilical enrolado, etc), está destruindo o que para ela é de mais importante naquele momento: a confiança em si própria, a satisfação em ver seu corpo e mente funcionando em um momento tão intenso e sublime de sua vida. O “não” ao parto ativo dado pelo obstetra pode trazer muitas conseqüências na relação que ali irá nascer entre mãe e recém-nascido. Muitas mães, ao acreditarem na não funcionalidade de seu corpo para parir, perdem a credibilidade em si próprias para cuidar do próprio filho, para amamentá-lo, sentindo-se muitas vezes incapazes de serem continentes seguros à criança que pela primeira vez se relaciona com o mundo. Essa insegurança, muito influenciada pela não liberação dos hormônios do parto, abalam significativamente o amor primordial, isto é, o amor primeiro que aquele novo ser irá experimentar. É justamente este amor primordial, o amor entre mãe e filho, que será a base de qualquer amor que o indivíduo desenvolverá no futuro. Amor à pátria, amor ao próximo, amor ao trabalho, amor ao estudo, à ciência e à própria vida. Mais do que modificar a assistência ao parto no Brasil, é preciso compreender, com novos e bons olhos, a importância e a complexidade bio-psico-social deste precioso momento. Sendo assim, caberia à cesariana retornar ao seu nobre e importante destino – ser apenas uma cirurgia de resgate e nunca uma via de eleição frente a qualquer pequeno desvio ou interesse alheio. “Para mudar o mundo é preciso primeiro mudar a forma de nascer.” – Michel Odent, obstetra francês. 1/7/2004 Grandes homens grávidosMesmo quem não viu o inocente filme “Junior” onde o cientista, interpretado por Arnold Schwarzenegger, fica literalmente grávido, pode imaginar a cena um tanto quanto bizarra: um homenzarrão musculoso e enorme invadido pela incontrolável força reprodutiva da natureza, exibindo uma redonda barrigona, mamas inchadas, enjôos, desejos alimentares exóticos, lágrimas e humores à flor da pele.
O personagem da ficção certamente revela uma fantasia real do imaginário masculino. Talvez muitos homens, em seus mais secretos pensamentos, já tenham se imaginado carregando o próprio filho no ventre, tendo desejos, vontades, sentindo o neném se mexendo e desenvolvendo dentro da barriga, depois parindo e até mesmo amamentando. Mas... a natureza, sábia ou talvez injusta, não proporcionou ao sexo masculino nenhuma destas intensas vivências e sensações. Sabedoria ou injustiça, o fato é que muitos homens têm de enfrentar na vida a frustração de nunca poderem gerar ou sentir a vida em formação dentro de si. Muitas tribos primitivas realizavam rituais onde marcavam a passagem do cuidado e criação dos filhos da mãe para o pai, o chamado “ritual de couvade”. Esse ritual era sempre marcado pela vivência física ou espiritual da dor, como na circuncisão, ou no lamento choroso dos homens durante o parto da mulher, com o intuito de atrair os maus espíritos para si, mantendo-os longe do recém-nascido. Após os lamentos e o parto, o recém-pai é quem ficava de resguardo e recebia os cumprimentos da tribo, recebendo o bebê que agora ficava sobre os seus cuidados. Esses rituais possibilitavam a vivência física e social do envolvimento íntimo entre pais e filhos, favorecendo uma importante vivência para ambos. Hoje não temos nem rituais de couvade e nem mesmo a ciência se aproxima da possibilidade de permitir que os homens engravidem. O gestar, amamentar e cuidar da cria, em nossa sociedade, fica totalmente restrito ao universo da mãe-mulher e os pais de hoje muitas vezes não encontram seu espaço apropriado neste triângulo. Mas, ainda assim, tenho visto surgirem cada vez mais “homens grávidos”. Homens que buscam estar afetivamente próximos da mulher grávida e do filho ainda na barriga. Homens que querem participar do processo todo da gestação, ultra-som, pré-natais, do próprio parto e que vivenciam até mesmo fisicamente a gravidez e assim enjoam, engordam, têm desejos exóticos. Homens que conversam com o feto no ventre, que tentam sanar as cólicas do recém-nascido e compartilham as noites mal dormidas com a mãe. Homens, enfim, que permitem sentir-se impotentes e apenas observar e apoiar a explosão máxima do feminino em suas esposas, sentindo-se orgulhosos e preenchidos em vê-las gerando, parindo, amamentando e provendo vida aos seus filhos. Um grande ganho tem o filho de um pai que se permite “engravidar”. Ele pode estar certo de que terá sempre presente um grande pai, modelo forte de relação rica e verdadeira, modelo que irá perdurar em seu interior, norteando sua vida por todo o sempre. |
Eleonora MoraesPsicóloga pela USP, Doula formada pela ANDO e mãe de 3 filhos. É a mãe maior do Despertar do Parto desde 2004. Arquivo
August 2015
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22/7/2004
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