Eleonora engravidou pela terceira vez há cinco anos. A gravidez parecia ter vindo em má hora. Psicóloga, ela queria naquele momento se dedicar à carreira. Como o aborto não era opção, Eleonora teve de mudar seus planos:
“Resolvi parar e ficar grávida mesmo, assumir a maternidade, cuidar das minhas crianças”. A decisão iria mudar sua vida, inclusive profissional. Eleonora ainda não sabia, mas estava aberto o caminho para ela se tornar uma “doula”, a primeira de Ribeirão. Doula é uma palavra que ainda não existe nos dicionários. Vem do grego e significa algo como “mulher que serve outra mulher”. Na prática, é uma assistente não-médica que dá suporte físico e emocional à gestante na hora do parto. Ajuda com exercícios e massagens, diz palavras de conforto, sugere posições menos dolorosas. Eleonora Moraes, hoje com 35 anos, conta que seu último parto foi um desafio. O obstetra havia dito que o bebê nasceria de cesariana: ele não estava encaixado na posição correta e a espessura do colo do útero não era adequada. Parto normal A futura doula bateu o pé, trocou de obstetra e foi ter com sucesso seu bebê de parto natural. Ela, que já havia passado por uma cesariana, percebeu a diferença entre as duas experiências. No parto normal, não houve o “vazio” sentido na cesariana. A partir daí, iniciou o projeto Despertar do Parto e, há três anos, começou a atuar como doula. Recebeu o apoio da amiga Helena Junqueira, que também se tornou ajudante de parto. As duas hoje fazem parte da Rehuna, a Rede pela Humanização do Parto e Nascimento, com membros em todo o país. Processo natural A idéia dos defensores da humanização do parto é muito simples. Eles vêem o nascimento como um processo natural, que só em casos de risco real deveria se tornar um ato médico. “Existe hoje uma idéia de incapacidade do corpo feminino, a idéia de que a mulher só consegue parir com segurança dentro de uma sala de cirurgia. Nossa sociedade trata a mulher como máquina que falha”, diz Eleonora. Quem defende a volta às origens não nega os avanços da medicina e a capacidade de salvar vidas em partos de risco. Apenas acha que a cesariana deveria ser exceção e não regra, como acontece hoje. No Brasil, as maternidades particulares chegam a registrar taxas de até 95% de cesarianas. Ajuda da doula O trabalho da doula começa no período pré-natal. “Ela faz a orientação durante a gestação, traz informações e dá dicas para a gestante escapar de cesarianas desnecessárias”, ensina Eleonora. Um dos trinta partos que ela acompanhou até agora foi o de Regina Coelho da Silva, de 37 anos, que teve sua primeira filha há pouco mais de um mês. “No início, queria a cesariana, achei que ia entrar dormindo e sair com meu bebê”, conta a mamãe recente. Depois de receber as informações, mudou de idéia e quis tentar o parto normal. Conta que só conseguiu o queria por causa da ajuda da doula. “Meu trabalho de parto durou 40 horas porque demorei para dilatar. Como estava com a doula, pude ir para o hospital só no dia seguinte, bem depois de as contrações terem começado. Se estivesse sozinha, com certeza o parto ia acabar em cesariana”. Diretor da Sinhá Junqueira apóia redução de cesáreas O diretor clínico da maior e mais tradicional maternidade particular de Ribeirão Preto concorda que há cesarianas demais na cidade e no país. Mais do que isso. Luiz Alberto Ferriani, obstetra e diretor da maternidade Sinhá Junqueira, se diz “radicalmente contra” a cesárea de hora marcada. “É preciso, no mínimo, esperar até o final da gravidez. A mulher tem que, pelo menos, entrar em trabalho de parto, mesmo que ela opte pela cesariana”, diz ele. Ferriani acha que o número de intervenções cirúrgicas é elevado na própria maternidade que dirige, onde, segundo ele, acontecem em até 90% dos partos. “Existe hoje um preconceito contra o parto normal. Para mudar isso, só mudando a cabeça dos médicos, mas principalmente das próprias gestantes”. O obstetra vê com simpatia o trabalho das doulas. “O ideal seria o obstetra ter tempo de acompanhar a gestante o tempo todo, mas, como o médico está sobrecarregado, a doula acaba assumindo esse papel e é muito bem-vinda”. A opinião é compartilhada pelo obstetra Bruno Ramalho de Carvalho, que faz partos na Sinhá Junqueira e tem contato com as duas doulas de Ribeirão. Ele entende que a humanização da obstetrícia nada mais é do que “o resgate de práticas e valores comuns que foram esquecidos”. Carvalho diz que há estatísticas que colocam o Brasil como o segundo país que mais faz cesáreas. “A meta da Organização Mundial de Saúde é uma taxa máxima de 15% de cesarianas”. Segundo a prefeitura de Ribeirão, nascem em média, por dia, 27 crianças na cidade, 20 delas de casais que aqui moram. Pouco mais de 30% dos bebês nascem de parto natural. Proposta do parto ativo vai muito além da ‘musiquinha’ A idéia do que seja parto humanizado muda de acordo com o freguês. Na maternidade Sinhá Junqueira, por exemplo, a iluminação é reduzida, a equipe é instruída para falar o mínimo possível e, na hora do nascimento, o bebê é recebido com música infantil. Para quem levanta a bandeira da volta da mulher como protagonista do parto, isso é pouco. “Parto humanizado, para a gente, é muito mais que colocar uma musiquinha”, brinca a doula Eleonora Moraes. O termo utilizado pelos defensores da volta às origens é “parto ativo”. Ativo porque, neste caso, quem está no comando é a mulher. Quem faz o parto é ela, não o médico. Na vertical No parto ativo, o ponto central é a posição vertical da mulher na hora de parir. Nos hospitais, a gestante é colocada deitada de costas. Essa posição dificultaria a saída do bebê. A posição vertical (de cócoras ou em banquinhos especiais) ajudaria o parto porque a gravidade se torna uma aliada, ajudando o bebê a fazer sua passagem pelo canal vaginal. O diretor clínico da maternidade Sinhá Junqueira, Luiz Alberto Ferriani, concorda que a gestante deve ficar na vertical antes do momento da expulsão do bebê. “A posição vertical é absolutamente válida. A própria ação da gravidade ajuda na dilatação, atenua as contrações”, afirma o obstetra. Na hora da saída do bebê, porém, Ferriani diz que é de praxe que a gestante se deite. Ele não nega, entretanto, a possibilidade de um parto na vertical do começo ao fim em sua maternidade, mesmo que isso ainda não tenha acontecido. Outra luta das defensoras do parto natural é a amamentação ainda na primeira hora de vida do bebê. Apesar de defendida pelo Ministério da Saúde e pela Sociedade Brasileira de Pediatria, a prática muitas vezes não é respeitada pelos hospitais. |
Imprensa O Despertar do Parto na Arquivo
September 2014
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4/8/2007
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