Para que um bebê possa nascer tranquilamente é preciso haver a chamada dilatação do colo do útero. É mais ou menos o seguinte: a parte inferior do útero, que durante quase 10 meses permaneceu muito bem fechado, segurando todo o peso do feto, da bolsa amniótica e da placenta, agora tem que abrir-se totalmente para que o bebê escorregue pelo canal vaginal e possa nascer.
No entanto, uma enorme parcela das justificativas de uma cesariana é justamente a incompetência desta função: – “Não tive dilatação... “ ou ainda – “Fiquei horas no soro mas não dilatou...” – quantas vezes ouvimos esta frase? Quantas mulheres não sentiram-se “incompetentes” na sua primeira jornada como mães? A questão é que existem muito mais mistérios e maravilhas entre “conseguir” ou “não conseguir” dilatar. Queria contar aqui o relato que ouvi de uma parteira norte americana muito experiente chamada Ina May Gaskin, em visita ao Brasil no ano passado. Ela contou sobre sua experiência nos partos que acompanhou em sua comunidade (diga-se de passagem: 2.000 partos com taxa de cesariana em apenas 2%), mostrando claramente que a vivência de um parto envolve muito mais do que um ato puramente físico e biologicamente determinado. Um bom exemplo disto foi o do primeiro parto que ela acompanhou com alguma dificuldade: A parturiente, já com 7 cm de dilatação, estaciona no trabalho de parto, horas e horas de contrações mas nenhuma dilatação a mais. Várias técnicas e posições foram tentadas, a futura mãe já mostrava cansaço e nada parecia ajudar o trabalho de parto em sua evolução. Quase dez horas se passaram e Ina May não conseguia entender o que havia de errado. Neste momento, uma outra mulher da comunidade, sabendo da situação, bate à porta. Ina atende e é tomada por uma onda de arrepio ao ouvir da visitante a seguinte frase: - “Pergunte sobre a mãe dela.” A parteira, sem entender as razões daquela sugestão, mas confiante de sua importância, aproximou-se da parturiente e em voz baixa repetiu a pergunta. A moça imediatamente desabou em choro: – “Eu sou adotada. Minha mãe biológica morreu no parto. Estou com medo de morrer também.” Dito isto, a criança nasceu em pouco mais de 15 minutos. A parturiente fez a catarse de sua tensão inconsciente que a impedia de mergulhar na experiência do parto. Verbalizou e tornou consciente o medo da morte, da repetição de sua história ao nascer e liberando-se da tensão pode ser acolhida pela parteira e assim encontrar forças para re-nascer ao dar a luz ao próprio filho. Muitos outros casos foram relatados pela parteira naquela ocasião, mostrando claramente a influência e integração dos fatores psíquicos e emocionais relacionados ao ato de dilatar-se, abrir-se para o parto. Aprendi com Ina a confiar em algo que eu mesma já intuía. Não existe incapacidade de dilatar, incompetência do corpo feminino e raramente haverá problemas na fisiologia da parturição em uma gestação saudável. Quando não há a dilatação, quando um parto não se inicia ou se complica, é preciso ter um olhar amplo e atento para a complexidade humana, para as fantasias e emoções que podem estar ali envolvidas. De fato, entre o céu, o parto e a terra existem muito mais mistérios do que imagina a nossa vã filosofia. |
Eleonora MoraesPsicóloga pela USP, Doula formada pela ANDO e mãe de 3 filhos. É a mãe maior do Despertar do Parto desde 2004. Arquivo
August 2015
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19/9/2004
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