Quis falar sobre o ser pai nos dias de hoje e confesso pra vocês, me deu até vontade de ser um deles. Sabe aquela alegria de redescobrir alguma coisa? De refazer um conceito e se divertir (muito!) descobrindo o que eles dizem? Pois bem, aquela definição do pai como “provedor do lar”, “aquele que protege e sustenta a família para que a mãe, com seu instinto maternal, crie os filhos” caiu por terra. Quem vive a paternidade ativamente pode confirmar que não é bem assim, aliás não é nada assim! Impossível ter um envolvimento superficial com a causa. E são tantos aspectos que envolvem a construção deste papel, que passou da hora de que eles ponham a boca no trombone e se fortaleçam, de pais, para pais. Convivo com pais que se envolvem no pré-natal e na preparação, participam ativamente do parto (parindo junto ou se descabelando, geralmente as duas coisas ao mesmo tempo) usam sling (carregadores de bebês), perdem noites de sono, descobrem técnicas mirabolantes pra fazer o bebê dormir (geralmente com aditivos tecnológicos igualmente mirabolantes), se apaixonam perdidamente pelos filhos, admitem o medo de “perder” a esposa para aquele ser minúsculo, e agora, o mais legal de tudo, começam a compartilhar publicamente suas histórias, geralmente com muito, mas muito humor. Vou descrever aqui alguns blogs, livros e sites, escritos por pais sobre a paternidade, que encontrei. Tão originais, inteligentes, hilários, poéticos e verdadeiros que poderia passar a semana inteira lendo, me emocionando, rindo e aprendendo. Espero que gostem e mais ainda, que inspire pais para compartilharem suas experiências também. Paizinho, Vírgula! Blog criado pelo Thiago Queiroz, pai de 2 filhos que depois de se tornar pai virou ativista do parto e da Criação com Apego (um conceito mundial de criação que todo pai deveria conhecer), tornando-se um líder da organização Attachment Parenting International e educador. No blog, Thiago conta suas aventuras de ser “pai apegado” e as descobertas que fez sobre criação e parentalidade. Me parece o mais consistente em termos de artigos e ensinamentos sobre educação de filhos. Quer conhecer? Clica aqui. Diário de um Grávido Do jornalista e publicitário Renato Kaufmann e acima de tudo, pai da Lúcia. O Blog existe desde 2008 e já virou 2 livros ("Diário de um Grávido" e "Como Nascem os Pais", ambos da editora Mescla Editorial). Com muito estilo e bom humor, Renato apresenta a gravidez e a paternidade sob a ótica masculina. Os textos são ótimos, divertidos e muito reais. Foi também colunista do UOL com “Vida de Pai”. Deu curiosidade? Clique aqui. Essa Tal Paternidade Escrito pelo Chico, pai do Samuel, hoje com pouco mais de 1 ano. Os textos são de uma sinceridade ímpar e espero que ele não desista tão cedo de escrever, certamente tem muito a contribuir, simplesmente sendo ele mesmo. Adorei o texto sobre paternagem e outro que ele conta sobre a queda do bebê do trocador (sim, lamento, eles caem do trocador). Quer conhecer? Clique aqui. Diário da Vida em 3 "Tirinhas ilustradas semanais sobre o dia-a-dia da família com um novo ser - bebê. E tudo o que isso quer dizer...." O pai e ilustrador Victor Farat publica ilustrações geniais em sua página no facebook. Logo as tirinhas se transformam em livro, pro nosso deleite. Curta a página e veja as tirinhas que são sensacionais: https://www.facebook.com/victor.ilustracao Do Seu Pai O artista Pedro Fonseca pensou em escrever um livro de histórias infantis. Virou pai, o livro virou um blog, as histórias reais sobre seus três filhos, ou melhor, sobre a sua sensibilidade descrevendo a paternidade. O blog é feito de fotos belíssimas da sua família. E clicando em cada foto uma história de arrancar lágrimas. Clique aqui pra conhecer que vale a pena. Nerd Pai – o Blog do Pai Nerd Blog bem humorado e criativo do pai "Nerd & Geek assumido", Jorge Freire, sobre as aventuras da paternidade. É um blog bem profissional e mais comercial, com dicas de cinema e tecnologia entre outras coisas. Seu filho recebe o apelido carinhoso de Padawan (aprendiz de Jedi, do Star Wars, lembra?) e aí vem coisas bem interessantes como a saga para que Padawan aprenda a dormir sozinho, entre outras histórias. Clique aqui e divirta-se! Dia 09/08/13 estréia o corajoso longa metragem brasileiro nos cinemas que mais abordou o assunto parto e nascimento no Brasil. Tive a oportunidade de assisti-lo em sua pré-estréia e retrato aqui as minhas impressões. Sem fazer rodeios, o filme é uma paulada. Expõe a ferida e mostra sem piedade a realidade cruel dos nascimentos brasileiros. Eu que já assisti centenas de filmes ligados ao tema, fiquei impactada. Afundei na cadeira, tapei os olhos, me arrepiei, vivi uma gama de emoções diferentes e revivi claro, os meus partos, os partos das mulheres que já acompanhei e talvez os partos de todas mulheres retratadas no filme. Não foi fácil. Faltou o ar. Mas por outro lado, o alento chegou poderoso, e a gente até consegue respirar e vibrar amorosamente, com as análises profundas e bem colocadas dos grandes mestres da humanização, ou porque não, da nossa era: Michel Odent, Naoli Vinaver, Ana Cris Duarte, Esther Vilela, Laura Upigler, Ricardo Jones, Robbie Davis Floyd, entre tantos outros. Gente que enxerga a frente do seu tempo e ousa dizer o que pensa, ecoando e dando voz aos sentimentos de toda uma geração que é sensível a causa. Vibrei amorosamente também com as mulheres reais, em suas histórias reais e doloridas, constatando emocionadas a oportunidade que lhes foi tirada de viver a experiência transcendente do parto. Não só por causa das falsas indicações de cesárea, mas também por conta dos excessivos rituais que o homem moderno criou neste evento que, em sua natureza e força, deveria ser simples, natural e fisiológico. Refiro-me as intervenções médico-hospitalares como infusão de hormônios sintéticos, analgesia, episiotomia, empurrar a barriga, separar mãe e bebê, pingar nitrato de prata nos olhos do bebê, aspira-lo e manipula-los com violência. Intervenções que já a se mostraram absolutamente ineficazes e prejudiciais quando utilizadas rotineiramente. Dentre diversas análises, compartilho sobretudo com a descrição brilhante da antropóloga Robbie Davies Floyd (complementada pelo obstetra Ricardo Jones), sobre a necessidade do homem em criar rituais frente aos processos da vida que nos são incontroláveis, desconhecidos e que por isto mesmo, nos provocam medo. As experiências do nascimento, da morte e da sexualidade são os maiores eventos em nossa vida onde este medo do desconhecido se manifesta. E o parto agrupa em si mesmo e ao mesmo tempo, estas 3 intensas experiências: morte e renascimento da filha em mãe, medo de morrer, nascimento de um novo ser e uma intensa e profunda experiência da nossa própria sexualidade. Haja ritual para dar conta do medo de tudo isto. A saída é padronizar intervenções bem concretas como a hospitalização, a camisola, o soro e afins, preferencialmente dessexualizando a experiência, para assim minimizar os "riscos". E seguindo nesta linha, me arrisco a ir um pouco mais além, afirmando que renascer o parto é principalmente tornar consciente o entendimento de que o evento de trazer ao mundo um novo ser é a maior oportunidade de evolução interna que uma mulher pode viver. Porque ela vai necessariamente aceitar este medo maior, mergulhar no seu próprio silêncio e descobrir quais são os seus verdadeiros rituais internos. Não para dominar este medo maior, mas para iluminar as sombras da sua mente medrosa e barulhenta, descobrir o melhor de si mesma, e viver o presente confiando seu corpo e o seu bebê a algo maior e impalpável que confiamos estar lá: esta energia morna, divina e confortante que chamamos de "amor". E quando ela o encontra, carrega nesta onda amorosa todos que a rodeiam, principalmente o novo ser, relembrando esta chama única da qual todos nós pertencemos. Parabéns ao corajoso casal Eduardo Chauvet e Érica de Paula, que deram conta do recado. Aguardemos ansiosos e confiantes qual será a reação do público em geral a partir da estréia oficial. E que o amor triunfe, transformando a forma de viver e nascer, amém. Conheça o site do filme e descubra se ele vai passar em sua cidade: http://www.orenascimentodoparto.com.br É preocupante. Segundo o último relatório da ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar), cerca de 80% dos partos feitos nos setores privados de saúde no Brasil são cesarianas. Taxa muito distante da recomendação de 15% feita pela OMS e que está estreitamente vinculada com altas taxas de complicações e mortalidade materna e infantil, segundo o próprio Ministério da Saúde.
O que estaria acontecendo com a obstetrícia brasileira? Seria arcaico pensar em parto normal em pleno século XXI, com todos os avanços da medicina e da tecnologia? Ou será que os corpos das mulheres brasileiras estão perdendo a capacidade de parir? A questão não é tão simples, infelizmente. Obstetras são pagos apenas pelo parto e não pelas inúmeras horas que despendem no seu acompanhamento. Um parto normal pode durar mais de 24 horas, uma cesariana dura pouco mais de 40 minutos. De fato, fica difícil haver a disposição da classe médica em desmistificar os medos de um parto normal e incentivá-lo entre sua clientela. Como sobreviver dispondo-se a atender partos normais? Por outro lado, existe a questão cultural arraigada nas formas de nascer em nossa sociedade. Nossa cultura, ainda impregnada pelo modelo tecnocrático e cartesiano da existência, entende o corpo humano como uma máquina, que obedece a padrões e mecanismos isolados. E entende a mulher como uma máquina que é falha, que sangra todos os meses e que é incapaz de gestar e parir sem que intervenções e aparatos tecnológicos corrijam seu corpo e a conduzam ao seu destino com segurança. Da mesma forma, a epidemia das cesarianas de hora marcada que vivemos hoje reflete nossa tentativa inquietante de controlar um evento de dimensão impalpável e do qual não temos qualquer controle. Um parto normal é a manifestação pungente e gritante da natureza, é a sabedoria ancestral impressa no corpo feminino que simplesmente acontece quando tiver que acontecer, quando mãe e bebe estiverem prontos. Não marca hora, não é previsível, não é igual de mulher para mulher, nem de bebê para bebê. Mas é preciso saber que pagamos um preço por tamanha interferência na forma de nascer. As altas taxas de complicações respiratórias em recém-nascidos, assim como as complicações maternas no pós-parto e na amamentação estão estreitamente relacionadas com o fato de que os bebês estão nascendo antes do tempo e/ou com excesso de intervenções. A literatura científica vem nos revelando isto de forma clara. Mas muito pouco se fala sobre o preço psico-afetivo para mãe e bebê em uma cesariana de hora marcada. Ainda não mensuramos o impacto emocional que isso pode trazer a curto e longo prazo. Não há como negar que existe uma perda de um processo que se dá tanto fisiologicamente como psiquicamente na mãe e no bebe. É como se uma etapa da vida fosse “pulada”. Muitas mulheres de fato relatam sobre a sensação de “buraco”, sobre o vazio psíquico que se instala após a vivência de uma cesárea, mesmo sendo ela desejada. Um processo vivo foi interrompido e a interrupção deixa marcas, quer sejam conscientes e incômodas ou não. Um exemplo claro disto é que diversos estudos apontam para a relação entre a qualidade do parto e a depressão pós-parto. Em primeiro lugar há a perda da liberação natural de um coquetel de hormônios do parto, principalmente da ocitocina - o “hormônio do amor” nos dizeres do obstetra e pensador francês Michel Odent. Este hormônio, liberado por mãe e bebe durante o trabalho de parto, não é apenas responsável pelas contrações uterinas, mas também por preparar a mãe para formação do vínculo com seu bebê e para a amamentação. É como se as portas de todos os sentidos maternos se abrissem e ficassem receptivos para aconchegar a criança que ali vai nascer. Ajuda no estabelecimento de um vínculo materno que vai além do consciente e racional. Um amor que é garantido ou enriquecido fisiologicamente, principalmente se os dois – mãe e bebê - puderem ficar juntos sem perturbações nas primeiras horas de vida, um período crucial para diversas espécies animais e para nós seres humanos. Este amor entre mãe e filho que ali começa a ser estabelecido será o protótipo de todas as formas de amor que este indivíduo irá desenvolver. Pensando novamente no bebê, a estimulação cutânea que ele recebe durante as contrações uterinas e ao passar pelo canal de parto, prepara melhor o seu organismo para adaptar-se fora do ventre materno. Mais do que isso, a constante massagem do parto no corpo do bebê dá a ele o sentido de limite: “aqui termina você e aqui começa o mundo” é o recado que seu corpo escuta. Eis o seu primeiro e talvez mais importante passo rumo a individuação, ele agora não pertence mais a um todo, mas tem um corpo que o delimita e este limite será o norte para sua segurança emocional, um toque que precisará por muitas vezes ser reafirmado no desenvolver de sua vida. E mais que tudo, há a perda de uma oportunidade única na vida da mulher. A experiência do parto carrega em si o ato de iniciação na maternidade e uma oportunidade ímpar de transformação e desenvolvimento, de conhecer e enfrentar os próprios limites, de deixar-se morrer e renascer, descobrindo-se viva, forte e capaz. As dores, cores e hormônios secretados pelo organismo neste intenso processo não só fazem nascer um indivíduo, mas são o húmus para o renascimento da própria mulher. É um rito de passagem necessário e que, se bem amparado, brinda a mulher com o fortalecimento de sua confiança em cuidar de si mesma e do novo ser que veio ao mundo. De fato, alguns estudos apontam para o fato de que mulheres que passaram por cesarianas apresentam maior índice de adoecimento psicossomático e se sentem menos habilitadas para cuidar de seus filhos no primeiro ano de vida, período tão fundamental para o desenvolvimento psíquico da criança. Ainda é cedo para falarmos dos impactos da epidemia de cesarianas na humanidade. Estamos inseridos neste momento, é algo que somente agora vem sendo objeto de estudos para alguns. Mas não se pode negar que o parto é uma experiência psíquica viva, intensa, rica e que, seja como for, deixa marcas a serem carregadas pela mãe, pelos filhos e também nas inter-relações familiares. Não se pode mais pensar em depressão pós-parto, problemas na amamentação e no vínculo mãe-bebê sem levar em conta a forma de parir e de nascer, sem levar em conta a qualidade do parto e a interferência maciça neste processo. Mas talvez resida aí mesmo, no pensar sobre as formas como nascemos hoje, uma oportunidade ímpar. Talvez um olhar cuidadoso sobre nossa epidemia de cesarianas nos leve a uma compreensão menos tecnológica e cartesiana da realidade e ajude o homem a resgatar uma visão mais una e integrada de si mesmo, uma visão onde o corpo e a alma, ciência e amor possam realmente se encontrar. Quem sabe? Referências bibliográficas:
Fonte: Projeto Despertar Uma pergunta muito freqüente é se vale a pena preparar-se para um parto normal, criando expectativas e depositando desejos e esforços em algo que, por obra do destino ou do azar, pode simplesmente não acontecer. A frustração não seria maior? O desejo assumido e a energia investida pelo parto normal não se transformaria em sofrimento ainda maior? Ih... ainda tem aquela tal de depressão pós-parto, um mal que ataca mulheres em momentos tão sublimes e transformadores.... será que vale mesmo a pena?
Minha resposta é sempre a mesma: sim, por inúmeros e enriquecedores motivos. Sim, porque preparar-se para aquilo que queremos nos obriga a assumir uma postura consciente e ativa frente as nossas próprias escolhas e com isso engrandecemos. Temos o direito, como cidadãos do mundo, de buscar informações e fazer escolhas conscientes para nossa vida e nosso corpo. Sim, porque entender a importância de viver um parto ativamente, sendo autora do próprio evento e colocando no mundo nosso filho com as nossas próprias forças nos traz uma onda doce de vitória, de capacidade, de força ímpar, de ápice de feminilidade. Nos sentimos muito mais capazes de cuidar dos nossos filhos e de enfrentar os desafios que encontramos na nossa vida daí pra frente. O parto é uma oportunidade única para tamanho crescimento, vale a pena investir nela com todas as forças. Sim, porque o parto normal teve milhares de anos para ser aperfeiçoado pela natureza (cesarianas existem a 50 anos apenas!) e dificilmente seu parto será uma cesariana se você tiver ao seu lado um profissional que realmente faça partos normais com freqüência. Sim, porque a "tal depressão pós parto" está correlacionada com partos (normais ou cesáreas) vividos de forma pouco ativa, sem o conhecimento e a ação direta da parturiente nas intervenções hospitalares que sofreu. Algumas pesquisas e estudos mostram claramente esta correlação. Sim, porque o luto e a tristeza de não viver o parto sonhado existe e é até necessário. A grande maioria das mulheres relatam uma certa tristeza de um processo não vivido por completo e um sentimento de incapacidade do próprio corpo e do papel fisiológico como mães. Tal sentimento independe de ter se preparado ou não para um parto normal e pode aparecer de forma consciente ou não. Fica mesmo um buraco difícil de preencher, afinal um processo foi interrompido bruscamente. e finalmente, Sim, porque viver uma cesariana por real necessidade após ter tido acesso a informações e escolhas conscientes é muito diferente do que simplesmente ser "atropelada" por ela. E se estamos conscientes do que nos acontece, se foi possível fazer algumas escolhas e pensar nelas, se houve a luta e a tentativa, podemos "aproveitar" o luto, saborear o gosto amargo e tirar maior proveito dele, aprendendo muito mais com a experiência. A evolução da espécie humana paga ainda hoje um alto “preço” por ter abandonado a posição quadrúpede e assumir a postura ereta sobre as duas pernas. Eva, ao erguer-se e ficar em pé para apanhar a maçã do conhecimento, perde o paraíso e é impelida para fora do seu estado de nirvana, já que escolheu viver com consciência. Recebe então a sentença das leis divinas: “Multiplicarei os sofrimentos de teu parto; darás à luz com dores” (Gên.3:16). E não por acaso.
A antropologia nos mostra que para ficar em pé os hominídeos tiveram que alongar e estreitar sua pelve para conseguir suportar o peso do próprio corpo sobre duas pernas. Ao mesmo tempo, para desfrutar da maçã do conhecimento e desenvolver inteligência, o crânio teve que triplicar seu tamanho, devido ao aumento do córtex cerebral. Resultado: cabeça três vezes maior e pelve muito mais estreita, impossibilitando a passagem do feto. Como o nascimento humano se tornou possível então? Como não ficamos fadados à extinção morrendo todas no parto? A resposta a esta difícil charada chama-se fetação e significa que o tempo de gestação diminuiu. Se hoje uma gravidez acontece em nove, dez meses, deveria durar um ano e meio aproximadamente. Sendo assim, nasceríamos como nossos amigos mamíferos: já eretos, podendo nos locomover e sobrevivendo de modo quase independente. Sim, nossos nenês são fetos fora do útero, têm necessidade violenta de vínculo, de relacionamento intenso e muito próximo da mãe que deverá lhes prover absolutamente todo cuidado e alimento. Evolutivamente, ou o vínculo e amor entre mãe e bebê era desenvolvido ou estaríamos todos condenados a extinção. Outro mecanismo que tornou possível nascer foi o incrível movimento de rotação que o bebê faz dentro da pelve da mãe na hora do parto. A espécie humana é a única a fazer este movimento de rotação. Somos, portanto a única espécie animal a nascer com a face voltada para trás, para as nádegas da mãe e não em direção aos seus braços e ao seu rosto, como nas macacas que seguram seus filhotes ao nascer. Assim sendo, ficou quase impossível para as mulheres primitivas parirem sozinhas seus filhos, sendo necessário chamar outras mulheres para ajudar a apanhar o recém nascido no momento do parto. A sentença “parirás com dor” pode revelar algo mais sobre a desenvolvimento físico, mental e espiritual da espécie humana. É o preço que pagamos pela nossa evolução. Entender sobre a história do nascimento humano traz à luz um possível entendimento deste processo e dá a nós, mulheres, uma oportunidade ímpar de desenvolver-se neste intenso desafio que é trazer um novo homem ao mundo. Eleonora de Moraes Psicóloga, educadora perinatal e Doula Coordenadora do Despertar do Parto 21/12/2004 Afinal, o que é “Parto Humanizado”?Eis uma questão que envolve grande polêmica. Diversos hospitais vêm divulgando serviços de parto humanizado entendendo o mesmo como o direito ao pai na sala de parto, ou música ambiente na hora do nascimento. Alguns profissionais e instituições sentem-se até mesmo ofendidos, afinal o que haveria de “desumano” em seu trabalho que precisasse ser humanizado?!
É um problema. O termo “humanização” carrega em si interpretações diversas. A qualidade de “humano” em nossa cultura quase sempre se refere à idéia arraigada na moral cristã de ser bom, dócil, empático, amável e de ajudar o próximo. Nesse contexto, retirar a mulher de seu “sofrimento” e “acelerar” o parto através de medicações e de manobras técnicas ou cirúrgicas seria uma tarefa “nobre” da medicina obstétrica e assim vem sendo cumprida. Mas a qualidade de “humano” que se quer aqui revelar envolve os processos inerentes ao ser humano, os processos pertinentes ao ciclo vital e a gama de sentimentos e transformações que a acompanham. O nascimento, as passagens para a vida adolescente e adulta, a vivência da gravidez, do parto, da maternidade, da morte e da separação são processos naturais e inteiros. Processos que muitas vezes envolve dor, incômodo, conflito, medo. E são estes mesmos os “portais” para a transição, para o crescimento, para o desenvolvimento e amadurecimento humano. A assistência ao parto deveria oferecer um suporte caloroso para tal transição, ser seu berço, respeitar e acompanhar o processo como um todo, as escolhas e necessidades da mulher, deixar que mãe e bebê se entendam e se separem naturalmente pelo parto. Permitir que se unam novamente com o contato, com o olhar, o toque e a amamentação imediatamente após o parto. Sem pressa, sem corre-corre, sem vozes altas, agulhas, julgamentos e separação precoce. "Humanizar é acreditar na fisiologia da gestação e do parto. Humanizar é respeitar esta fisiologia, e apenas acompanhá-la. Humanizar é perceber e respeitar os diversos aspectos culturais, individuais, psíquicos e emocionais da mulher e de sua família. Humanizar é permitir o contato contínuo entre mãe, pai e recém-nascido. Humanizar é devolver o protagonismo do parto à mulher. É garantir-lhe o direito de conhecimento e escolha." Certamente você nunca ouviu falar em doula. Ainda não presente nos dicionários da maioria dos brasileiros, a palavra “doula” vem do grego e significa “mulher que serve”, sendo hoje utilizada para referir-se às Acompanhantes de Parto -mulheres com experiência no nascimento que dão suporte físico, informativo e emocional a outras mulheres antes, durante e após o nascimento.
Antigamente o nascimento humano era marcado pela presença experiente das mulheres da família: irmãs mais velhas, tias, mães e avós acompanhavam, instruíam e apoiavam a parturiente e recém mãe durante todo o trabalho de parto, o próprio parto e os cuidados com o recém-nascido. E hoje que cenário temos? Os partos acontecem em ambiente hospitalar e rodeado por especialistas: o médico obstetra, a enfermeira, o pediatra... cada qual com sua especialidade e preocupação técnica pertinente. O cuidado com o bem estar físico e emocional da parturiente acabou ficando perdido em meio ao ambiente impessoal dos hospitais, tendendo a aumentar o medo, a dor e a ansiedade daquela que está dando a luz. A doula veio justamente para preencher esta lacuna, suprindo a demanda de emoção e afeto neste momento de intensa importância e vulnerabilidade. Assim, a doula está presente no parto a fim de diminuir a dor, a tensão e o desconforto ajudando a parturiente a comunicar-se com a equipe médica, entender os complicados termos e procedimentos hospitalares, encontrar posições mais confortáveis, propondo medidas naturais e simples que ajudam a minimizar a dor, como banhos, massagens, relaxamento e técnicas de respiração. A descoberta da função das doulas deu-se acidentalmente na década de 70, quando dois médicos norte-americanos, J. Kennel e M. Klaus, realizavam uma pesquisa sobre o vínculo entre mãe e recém-nascido logo após o parto e perceberam que os partos mais fáceis e com menos complicações tinham em comum a presença da observadora da pesquisa, uma menina chamada Wendy, que também dava atenção, fazia carinho e segurava a mão das parturientes. Atualmente, muitas pesquisas apontam que a atuação da doula no parto pode diminuir em 50% as taxas de cesáreas, diminuir em 20% a duração do trabalho de parto, diminuir em 40% o uso de fórceps e em 60% o uso de anestesia, além de promover significativamente o vínculo entre mãe e bebê. A doula chega ao cenário do nascimento apenas para somar. Não substitui qualquer profissional da área médica (não realiza exames, não questiona decisões) e não substitui o marido ou o acompanhante de escolha da parturiente. Veio a fim de auxiliar na conquista de um parto seguro e gratificante, sendo assim um elo de ligação e uma nova luz entre a mulher, sua família e a equipe que a assiste. Para que um bebê possa nascer tranquilamente é preciso haver a chamada dilatação do colo do útero. É mais ou menos o seguinte: a parte inferior do útero, que durante quase 10 meses permaneceu muito bem fechado, segurando todo o peso do feto, da bolsa amniótica e da placenta, agora tem que abrir-se totalmente para que o bebê escorregue pelo canal vaginal e possa nascer.
No entanto, uma enorme parcela das justificativas de uma cesariana é justamente a incompetência desta função: – “Não tive dilatação... “ ou ainda – “Fiquei horas no soro mas não dilatou...” – quantas vezes ouvimos esta frase? Quantas mulheres não sentiram-se “incompetentes” na sua primeira jornada como mães? A questão é que existem muito mais mistérios e maravilhas entre “conseguir” ou “não conseguir” dilatar. Queria contar aqui o relato que ouvi de uma parteira norte americana muito experiente chamada Ina May Gaskin, em visita ao Brasil no ano passado. Ela contou sobre sua experiência nos partos que acompanhou em sua comunidade (diga-se de passagem: 2.000 partos com taxa de cesariana em apenas 2%), mostrando claramente que a vivência de um parto envolve muito mais do que um ato puramente físico e biologicamente determinado. Um bom exemplo disto foi o do primeiro parto que ela acompanhou com alguma dificuldade: A parturiente, já com 7 cm de dilatação, estaciona no trabalho de parto, horas e horas de contrações mas nenhuma dilatação a mais. Várias técnicas e posições foram tentadas, a futura mãe já mostrava cansaço e nada parecia ajudar o trabalho de parto em sua evolução. Quase dez horas se passaram e Ina May não conseguia entender o que havia de errado. Neste momento, uma outra mulher da comunidade, sabendo da situação, bate à porta. Ina atende e é tomada por uma onda de arrepio ao ouvir da visitante a seguinte frase: - “Pergunte sobre a mãe dela.” A parteira, sem entender as razões daquela sugestão, mas confiante de sua importância, aproximou-se da parturiente e em voz baixa repetiu a pergunta. A moça imediatamente desabou em choro: – “Eu sou adotada. Minha mãe biológica morreu no parto. Estou com medo de morrer também.” Dito isto, a criança nasceu em pouco mais de 15 minutos. A parturiente fez a catarse de sua tensão inconsciente que a impedia de mergulhar na experiência do parto. Verbalizou e tornou consciente o medo da morte, da repetição de sua história ao nascer e liberando-se da tensão pode ser acolhida pela parteira e assim encontrar forças para re-nascer ao dar a luz ao próprio filho. Muitos outros casos foram relatados pela parteira naquela ocasião, mostrando claramente a influência e integração dos fatores psíquicos e emocionais relacionados ao ato de dilatar-se, abrir-se para o parto. Aprendi com Ina a confiar em algo que eu mesma já intuía. Não existe incapacidade de dilatar, incompetência do corpo feminino e raramente haverá problemas na fisiologia da parturição em uma gestação saudável. Quando não há a dilatação, quando um parto não se inicia ou se complica, é preciso ter um olhar amplo e atento para a complexidade humana, para as fantasias e emoções que podem estar ali envolvidas. De fato, entre o céu, o parto e a terra existem muito mais mistérios do que imagina a nossa vã filosofia. A obstetrícia brasileira precisa mudar. Uma pesquisa realizada em 1998 pelo Conselho Regional de Medicina - SP nas maternidades do estado de São Paulo (diga-se de passagem, o estado mais rico e populoso do Brasil) revela a chamada “estatística da vergonha”, ou seja, altos índices de cesáreas desnecessárias e altas taxas de mortalidade materna e neo-natal, deflagrando a necessidade de reorganização do ensino médico, modificação da prática da assistência médica e mudanças culturais na população.
Muito mais do que diminuir as taxas de cesarianas, falta à obstetrícia e à sociedade brasileira entender o que existe por detrás da vivência de um parto normal e ativo na vida da mulher e da família. A mulher que experimenta parir o filho com as próprias forças, sendo assim tomada pela revolução hormonal em seu corpo, tem a possibilidade de fortalecer-se de maneira única em sua vida. Diversos estudos mostram o que muita mulher já experimentou na história da humanidade: uma prontidão exuberante para receber o recém-nascido e poder amamentá-lo, acariciá-lo, cuidá-lo com destreza e confiança após a vivência de um parto ativo. Confiança talvez seja a palavra chave para esse entendimento a que me refiro. Quando um profissional do parto diz à mulher (e ela silenciosamente consente), após poucas horas de trabalho de parto ou antes mesmo dele ter início, que o seu nenê não irá nascer naturalmente por motivos diversos, inconsistentes e questionáveis (refiro-me a nenê grande, cesárea anterior, colo de útero grosso, cordão umbilical enrolado, etc), está destruindo o que para ela é de mais importante naquele momento: a confiança em si própria, a satisfação em ver seu corpo e mente funcionando em um momento tão intenso e sublime de sua vida. O “não” ao parto ativo dado pelo obstetra pode trazer muitas conseqüências na relação que ali irá nascer entre mãe e recém-nascido. Muitas mães, ao acreditarem na não funcionalidade de seu corpo para parir, perdem a credibilidade em si próprias para cuidar do próprio filho, para amamentá-lo, sentindo-se muitas vezes incapazes de serem continentes seguros à criança que pela primeira vez se relaciona com o mundo. Essa insegurança, muito influenciada pela não liberação dos hormônios do parto, abalam significativamente o amor primordial, isto é, o amor primeiro que aquele novo ser irá experimentar. É justamente este amor primordial, o amor entre mãe e filho, que será a base de qualquer amor que o indivíduo desenvolverá no futuro. Amor à pátria, amor ao próximo, amor ao trabalho, amor ao estudo, à ciência e à própria vida. Mais do que modificar a assistência ao parto no Brasil, é preciso compreender, com novos e bons olhos, a importância e a complexidade bio-psico-social deste precioso momento. Sendo assim, caberia à cesariana retornar ao seu nobre e importante destino – ser apenas uma cirurgia de resgate e nunca uma via de eleição frente a qualquer pequeno desvio ou interesse alheio. “Para mudar o mundo é preciso primeiro mudar a forma de nascer.” – Michel Odent, obstetra francês. 1/7/2004 Grandes homens grávidosMesmo quem não viu o inocente filme “Junior” onde o cientista, interpretado por Arnold Schwarzenegger, fica literalmente grávido, pode imaginar a cena um tanto quanto bizarra: um homenzarrão musculoso e enorme invadido pela incontrolável força reprodutiva da natureza, exibindo uma redonda barrigona, mamas inchadas, enjôos, desejos alimentares exóticos, lágrimas e humores à flor da pele.
O personagem da ficção certamente revela uma fantasia real do imaginário masculino. Talvez muitos homens, em seus mais secretos pensamentos, já tenham se imaginado carregando o próprio filho no ventre, tendo desejos, vontades, sentindo o neném se mexendo e desenvolvendo dentro da barriga, depois parindo e até mesmo amamentando. Mas... a natureza, sábia ou talvez injusta, não proporcionou ao sexo masculino nenhuma destas intensas vivências e sensações. Sabedoria ou injustiça, o fato é que muitos homens têm de enfrentar na vida a frustração de nunca poderem gerar ou sentir a vida em formação dentro de si. Muitas tribos primitivas realizavam rituais onde marcavam a passagem do cuidado e criação dos filhos da mãe para o pai, o chamado “ritual de couvade”. Esse ritual era sempre marcado pela vivência física ou espiritual da dor, como na circuncisão, ou no lamento choroso dos homens durante o parto da mulher, com o intuito de atrair os maus espíritos para si, mantendo-os longe do recém-nascido. Após os lamentos e o parto, o recém-pai é quem ficava de resguardo e recebia os cumprimentos da tribo, recebendo o bebê que agora ficava sobre os seus cuidados. Esses rituais possibilitavam a vivência física e social do envolvimento íntimo entre pais e filhos, favorecendo uma importante vivência para ambos. Hoje não temos nem rituais de couvade e nem mesmo a ciência se aproxima da possibilidade de permitir que os homens engravidem. O gestar, amamentar e cuidar da cria, em nossa sociedade, fica totalmente restrito ao universo da mãe-mulher e os pais de hoje muitas vezes não encontram seu espaço apropriado neste triângulo. Mas, ainda assim, tenho visto surgirem cada vez mais “homens grávidos”. Homens que buscam estar afetivamente próximos da mulher grávida e do filho ainda na barriga. Homens que querem participar do processo todo da gestação, ultra-som, pré-natais, do próprio parto e que vivenciam até mesmo fisicamente a gravidez e assim enjoam, engordam, têm desejos exóticos. Homens que conversam com o feto no ventre, que tentam sanar as cólicas do recém-nascido e compartilham as noites mal dormidas com a mãe. Homens, enfim, que permitem sentir-se impotentes e apenas observar e apoiar a explosão máxima do feminino em suas esposas, sentindo-se orgulhosos e preenchidos em vê-las gerando, parindo, amamentando e provendo vida aos seus filhos. Um grande ganho tem o filho de um pai que se permite “engravidar”. Ele pode estar certo de que terá sempre presente um grande pai, modelo forte de relação rica e verdadeira, modelo que irá perdurar em seu interior, norteando sua vida por todo o sempre. |
Eleonora MoraesPsicóloga pela USP, Doula formada pela ANDO e mãe de 3 filhos. É a mãe maior do Despertar do Parto desde 2004. Arquivo
August 2015
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5/8/2015
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