A doce espera...
Dezembro/2007 a Janeiro/2008 "Depois de uma tranqüila gestação, eis que chega o grande dia tão esperado. Era uma manhã quente de janeiro (10/01/08) em Ribeirão Preto, onde estávamos apenas para este grande acontecimento: o nascimento de nossa primeira filha – Nicole. A doce espera já estava se transformando em um eterno exercício de autocontrole, pois já estávamos na 41a semana de gestação. Duas semanas antes havíamos passado por uma fase estressante quando a médica, que nos acompanhara durante todo o pré-natal, nos anunciou na ultima consulta que sairia de férias e viajaria na data prevista do parto (seis de janeiro). Ao tomar conhecimento da ausência da médica, imediatamente iniciamos a busca por um outro obstetra que nos garantisse o parto normal e consciente. Porém, havia alguns obstáculos - nenhum médico estava disposto a atender um caso na noite de natal ou na virada de ano. Todos já tinham suas férias programadas, os hospitais ofereciam seus médicos de plantão: todos cesaristas. Resolvemos sair de São Paulo para não correr o risco de uma “desne-cesária”. Buscamos a ajuda de amigos fora de São Paulo, uma colega de infância em São José dos Campos, Juliana Paola. Apesar de nos orientar sobre os procedimentos do trabalho de parto, também estava com férias programadas com a família. Seria injusto comprometê-la. Luiz Carlos, meu marido, com toda sua calma, iniciou uma pesquisa pelo Internet sobre grupos de parto humanizado e para nossa surpresa encontrou o Despertar do Parto em Ribeirão Preto – região onde sua família vive. Na mesma hora entramos em contato com Eleonora Moraes (doula do Despertar) que nos atendeu com toda atenção e nos orientou sobre Helena Junqueira, que estaria disponível como doula durante aquele período. Helena nos sugeriu um obstetra com prática no parto normal que se dispôs para nosso caso. Mesmo sem conhecê-las pessoalmente, Eleonora e Helena nos transmitiram uma certa confiança e imediatamente fizemos as malas, nos despedimos de nosso ninho, deixamos a casa, saímos rumo ao interior... viajamos de São Paulo a Jaboticabal em véspera de Natal para iniciar a doce espera. No caminho, fui imaginando que tudo era uma grande surpresa, mas estava feliz por sair de São Paulo. A situação me inspirava confiança. Já tinha o costume de conversar muito com Nicole e expliquei a ela que todo aquele estresse era por ela e que tudo sairia bem. Chegamos na casa de meus sogros. Um lar em harmonia com um lindo quintal cheio de flores e uma ducha onde passaríamos as duas semanas nos refrescando do calor daquele verão. Passamos pela noite de Natal, nada de Nicole. Passamos pela noite de Ano Novo e nada de nada. Durantes estas semanas visitávamos o obstetra que, sempre calmo, nos tranqüilizava mesmo ao ultrapassar as 40 semanas de gestação. Os dias de férias foram ocupados pela nossa ansiedade e para driblá-la saímos para caminhar nos parques da cidade, centro e shoppings. Uma doce espera... Dia 10 de janeiro de 2008. 7 horas – doce manhã Nesta manhã em que completamos 41 semanas, marcamos o ultra-som para saber dos batimentos cardíacos da bebê que crescia e a cada dia ganhava mais peso. Nesse mesmo dia me levantei as 7:00 com uma forte repuxada no abdômen e às 8:30, durante a consulta na mesa de ultrasonografia, tive a certeza que esse seria o grande dia. As contrações começaram levemente como uma cólica já conhecida. Eram pontadas na região do útero que duravam poucos segundos, em espaços de tempo irregulares. Cá me convidou para um cafezinho no centro da cidade com direito a um passeio pelas calçadas do comércio, passando pelo bar do Pinguin e pela praça principal. Às 10 horas da manhã, as contrações ainda eram suportáveis para esta caminhada matinal. Até o meio dia eu me sentia muito bem e aproveitei para ir a piscina e fazer exercícios com a bola. Avisamos a nossa doula e o médico e permanecemos na área de lazer para passar as horas ao ar livre. Na piscina com Cá estávamos imensamente felizes porque sabíamos que, em algumas horas mais, estaríamos transformados pelo encanto de uma nova fase de nossas vidas com a chegada da nossa filhotinha. Durante as contrações, tinha o prazer de respirar profundamente e dominar o meu corpo, puxar o ar e entrar dentro de mim mesma. Fechava os olhos para que o ar invadisse todas as minhas veias e meu pulmão e, quando eu abria os olhos novamente, a minha felicidade era sentir que Cá estava comigo nesta experiência, participando com sua presença e sentindo esta profundidade de nosso sonho se aproximando cada vez mais. Helena veio nos visitar e foi um momento muito especial. Praticamos juntas as respirações, uma massagem e mais rebolados. Uma paz invadia nosso ambiente. As contrações aconteciam quase que regularmente e, entre elas, eu conseguia conversar. Era uma sensação deliciosa, em que o corpo estava totalmente presente e a mente atenta. Helena se foi e nos deixou muito à vontade e confiantes em nós mesmos. Meio-dia – sol de rachar Não tinha vontade de comer, mas o almoço foi servido pelo Cá. Tomei muito suco, muita água e as horas iam passando... as contrações iam se intensificando. Continuei os exercícios com a bola e banho quente... Cá me ajudava com as respirações e massagens. Muitos pensamentos, muitas palavras vinham à mente... eram quase como alucinações. Lembrei-me de nossa primeira doula que nos acompanhara em São Paulo, Lucía Caldeyro. Ela nos dizia para usar toda a sensualidade do corpo neste dia, com muitos rebolados, movimentos com a bacia e remelexos... Tudo veio à mente...as conversas com o pessoal do Grupo de Apoio a Maternidade Ativa (GAMA), as historias de parto de minha avó Angelina, das experiências de minha mãe, de minhas amigas (novas mães), e cada trecho dos livros lidos... Cinco da tarde – as contrações já eram tão verdadeiras quanto a certeza de que estavam se intensificando e regularizando. Assim foi até às 18h, quando visitamos o médico que nos informou da evolução de nossa situação: 3 a 4 de dilatação. Faltava muito, mas tudo caminhava bem. Quando as dores tornaram-se um furacão e o domínio sobre minhas respirações foi ficando tenso, decidi então que era hora de irmos para a maternidade e continuar o trabalho de parto por lá, em companhia do nosso médico. Saímos do apartamento, descemos a escada. O irmão de Luiz fotografou este último momento com a imensa barriga sendo levada em meio às profundas pausas para respiração. Quase já não podia falar e rir entre as contrações. Sentei-me no banco traseiro do carro onde me agarrei em cada curva e durante os minutos em que as dores me faziam contorcer. 21 horas – Apartamento cor-de-rosa Chegamos no hospital-maternidade. Duas enfermeiras sem nome me conduziram para o elevador e me encaminharam para um apartamento cor-de-rosa. Eu ainda andando segui sem maca ao elevador. No elevador estavam mais duas enfermeiras que me dirigiram comentários estúpidos sobre a opção do parto normal: - “Tem certeza? ...Ai coitada, é um sofrimento que leva horas”. Uma delas tentou concertar o comentário, mas eu simplesmente ignorei. Luiz Carlos ainda estava na burocracia da recepção. Quando chegou no mundo cor-de-rosa me encontrou com um vestidinho da mesma cor em respirações controladas. As enfermeiras nos deixaram. Fui para o banho morno à espera de um relaxamento com a bola, que veio com o nosso médico muito sorridente. Era um sacrifício ficar deitada. Exame de toque: 7 de dilatação. Uh! Evoluímos, mas falta um tanto! Permanecemos sós no apartamento. Entre as respirações profundas Cá estava presente. Um alívio! As dores eram fortíssimas, mas ainda nada de bolsa rota, nada do tampão aparecer. Tomei água, tomei suco de caixinha, comi um polenguinho. Andei pelo quarto, me contorci com a bola e mergulhei na partolândia. Deixei que minha mente entrasse em alfa, conduzi minha respiração para que as dores fossem sendo dominadas. Lá vinha a dor, fechava os olhos para a respiração profunda, abria os olhos... lá estava o Cá, meu anjo e minha luz. Eis que em algum momento me senti gelada e meu corpo amolecido. Vomitei o que tinha tomado. Parecia que meu corpo queria expulsar o que havia ingerido. Mais um banho quente, desta vez em pé e apoiada por Luiz. Me preocupei em perder forças, mas em nenhum momento tive medo porque estava tão feliz de sentir aproximar a hora do nosso encontro com a nossa filha. Ainda no chuveiro tive náuseas, vomitei pela segunda vez e meu corpo gelava, me atrapalhei com a respiração, as dores quase me dominaram. Não achava uma posição confortável. O médico me sugeriu que deitasse, experimentei, mas me arrependi quando uma forte contração veio enfurecida. Gritei pro Cá me ajudar. Me levantei, tentei caminhar, mas minhas pernas não obedeciam. Foi então que me rendi à anestesia. 24:00 – Partolândia Me rendi à anestesia, mas muito consciente de que esta era uma opção minha e de meu corpo. O que mais desejava era receber Nicole com consciência e com disposição para apresentá-la ao mundo no seu primeiro momento de vida. A enfermeira chegou com a maca, beijei Luiz Carlos e o deixei ir para reencontrá-lo na sala do parto. Nos reencontramos depois da aplicação peridural. Todos embrulhados em uma ridícula roupa verde que mais parecia lona de caminhão. Na sala estavam o nosso obstetra, o anestesista e duas outras enfermeiras. Neste momento estava com 8 de dilatação. Chegou o pediatra, que tinha fama de “piadista” porque trabalhava contando piadas. Dentro de alguns segundos estava totalmente aliviada. As contrações eram distantes, mas presentes. Sentia minhas pernas, mas movia com dificuldade a perna esquerda. Na veia me aplicaram a bendita oxcitocina, para que as contrações não faltassem, e uma maldita glicose que entrou queimando na veia da mão. Apesar de toda essa parafernália do clima cirúrgico, me sentia extasiada de alegria e conversava com o médico para saber da oxcitocina, das contrações e da dilatação. As piadas do pediatra não faziam sentido para mim neste momento, preferi abstraí-lo. Me concentrei e minha respiração voltou ao normal, pude controlá-la e daí em diante mergulhei novamente na partolandia, controlando as contrações com a respiração até que o obstetranos informou que a dilatação estava completa e podia conduzir para a expulsão. Lembrei que a hora da expulsão é um momento natural e que Nicole saberia qual seria sua hora. Cá, ao meu lado, já não sabia se segurava minha mão ou se ia ao encontro de Nicole. As contrações eram indolores, apenas me pressionavam a região do abdômen. Mais uma contração e outra e, de repente, senti uma pressão na região do períneo, um leve ardor minimizado pela anestesia, nada que me deixasse sem fôlego. Nicole estava chegando, eu já sentia. O médico pediu para apagar as luzes da mesa e deixar a sala em luz suave. Nicole estava chegando, toquei sua cabeça, Cá também experimentou a mesma sensação. Todos se juntaram por alguns minutos à mesa em silêncio. Era 1:36 da manhã do dia 11 de janeiro e Luiz Carlos me olhava sem saber pra onde ir, mas foi recebê-la e me trouxe a pequena ainda conectada ao cordão umbilical. Finalmente, Cá foi muito além de sua presença, foi a força e a energia que Nicole e eu precisávamos. Ela chegou silenciosa, de olhinhos negros semi-abertos, muito cabeluda, mãos pequenas e ativas. Sem chorar pudemos senti-la em meu peito. Enfim, nós três ligados pela mesma sensação. Uma emoção apaixonante que ficará para sempre em cada um de nós três. Bem-vinda ao nosso mundo, Nicole... nós já te amamos. Os procedimentos do parto e nascimento de Nicole Nicole nasceu com 3,370 kg e 49,5 cm. A recebemos ainda ligada no cordão umbilical. O pai se distraiu e se emocionou e por isso não cortou o cordão. A mãe, enquanto a recebia, recebia os três pontos no períneo, apesar de não ter havido necessidade de episiotomia, foram necessários os pontos. A anestesia foi uma opção depois de 13 horas de trabalho de parto quando me sentia fraca, pela ânsia de vomito e queda de pressão. Foi a decisão mais certeira porque depois disso me re-estabeleci em minhas forças, minha respiração e minha alegria em recebê-la consciente. Houve aplicação de um soro com dosagens de glicose (que me ardia a veia da mão) e oxicitocina, logo após a anestesia. Estava deitada numa maca estreita, nada confortável. A sala era simples, com luz intensa em cima de minha mesa. As contrações ainda estavam presentes até que a anestesia chegou em minhas pernas e abdômen e logo a dor se foi. Alegria, pude sorrir e respirar. Carlinhos chegou de verde-oliva depois de alguns minutos. Me colocaram as perneiras com as pernas abertas e uma lona verde para garantir assepsia. Não consegui ver quase nada, e pedi para remover parte daquela lona. Apesar de não ter gostado destes procedimentos, resolvi me concentrar no que estava por acontecer. Os médicos (anestesista e obstetra) foram excelentes, respeitando minhas sensações. A comunicação era pacífica, vozes suaves. O pediatra chegou e apesar de ser muito bem humorado e piadista, falou demasiado. Participei de algumas piadas, ri, comentei, mas depois voltei a concentrar-me. O que ajudou na comunicação com o obstetra, sem dúvida foi ter lhe apresentado antes o meu plano de parto. Isso me deu a sensação de que tínhamos um certo acordo. Diferentemente ocorreu com o pediatra, que conheci somente na sala de parto. Infelizmente o que mais me desagradou foram as enfermeiras que seguiam ordens sem analisar a situação. Agiam como se estivessem em cirurgia: - “passa a aliança e os brincos”. Recusei em obedecê-las. Os procedimentos com a bebê seguiram os procedimentos tradicionais, porém algumas exceções. Sem o colírio e apenas duas horas na estufa. Nos separaram dela para a limpeza de seu corpinho e medições... Enquanto isso segui para o apartamento para um banho. Eu e Cá aguardamos estas duas horas que para nós foram eternas. Três da manhã e Nicole chegou de roupinha salmão e choramingando... as enfermeiras nos deixaram. Instintivamente me coloquei na posição para amamentá-la pela primeira vez e então, respirei aliviada e um choro forte tomou conta de mim. Iniciava-se uma nova fase da minha vida com Nicole e Luiz Carlos. A primeira madrugada com Nicole foi algo extasiante. Sentia-me cheia de energia e muito disposta. Não pudemos dormir porque estávamos encantados. Nini ficou conosco todo o tempo. Na tarde do dia 11 vieram algumas visitas familiares. Helena nos presenteou com sua visita e orientações para a amamentação. Saímos da maternidade um dia e meio depois. Saí andando, carregando Nicole no colo. Fizemos nossa primeira viagem com ela até Jaboticabal. Ela nos olhava com os olhinhos bem arregalados. Três meses depois.... A recuperação física foi excelente e rápida. Mesmo assim é importante comentar que os quinze primeiros dias me senti extremamente frágil. Incomodavam os pontos no períneo e as mamadas eram doloridas. Meu corpo estava exausto como se tivesse participado de uma luta de boxe. Durante os primeiros dez dias ficamos na casa dos pais do Cá. Recebemos toda atenção, conforto e carinho nestes dias de dores e adaptação. Helena também esteve presente e nos orientava sobre a alimentação, amamentação e banhinhos relaxantes para Nicole. Resolvemos voltar logo para São Paulo pois estávamos ansiosos em chegar ao nosso ninho e apresentar nosso lar a mais nova integrante da família. A vida se transformou totalmente." Liviam Elisabeth Cordeiro Beduschi [email protected] |
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16/1/2008
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