Com o resultado positivo nas mãos dei meu primeiro palpite, será outro menino. Mas nessa mesma noite sonhei que uma voz na minha barriga protestava “Pare de dizer que eu sou menino, porque eu sou uma menina!”. E das bravas! Quando não conseguimos comprovar se era menina ou menino no ultrassom de 12 semanas, decidimos por esperar pela surpresa no parto, o que gerou imensa ansiedade de todos, mas também um sentimento delicioso de suspense. Maria era Batatinha por enquanto. Confesso que demorei para me sentir realmente grávida, tinha dias que eu nem lembrava que tinha alguém crescendo dentro de mim. Foi só com o peso da barriga que a conexão começou a acontecer, e mesmo assim era preciso fechar os olhos e me concentrar para me sentir uma nova mãe. Maria contribuía para esse esquecimento. Era um bebê calmo que mexia super pouco e de forma suave dentro da barriga. Mas quando eu fechava os olhos e pensava nela, logo imaginava uma força enorme, uma luz vermelha vibrante que pulsava dentro de mim. Parecia uma contradição, mas era assim que ela se apresentava para mim. A gestação foi super tranquila, só tivemos um susto por volta das 15 semanas. Um sangramento depois do Gael pular na minha barriga e eu ter uma noite de cólicas. Mas ela estava lá, forte e saudável, ainda pulsando no meu ventre. Diferente do parto do Gael que precisou de uma imensa jornada para chegar na decisão de como ele chegaria ao mundo, desde o primeiro momento o parto da Maria era uma certeza. Parto domiciliar, equipe maravilhosa com as minhas parteiras do coração e doulas que viraram amigas. Eu não tinha medo algum, dúvida alguma. Apesar do parto do Gael ter sido absurdamente demorado e cansativo, eu só conseguia lembrar de ter sido maravilhoso, da sensação deliciosa de estar na partolândia, de como era gostoso sentir o bebê saindo de mim. No primeiro parto eu era apenas uma menina que se informou bastante para conseguir o parto que queria. Dessa vez eu era mais, eu era ativista, eu era doula, eu sabia de tudo até de trás para frente. Bobagem a minha. Cada gestação é única, cada parto é único. Ter passado por isso só me deixou mais ansiosa no final. Assim como na gestação do Gael, quando estava com 37 semanas comecei a sentir que ela veria antes cedo do que tarde. Era a ansiedade transbordando. Vem, Batatinha, vem. Mas ela viria no tempo só dela. O meu único medo era ter que enfrentar outra maratona disfarçada de parto. Afirmava o tempo todo que já tinha feito hora extra em trabalho de parto e não aguentaria isso de novo. Mas bastava um novo olhar sobre o trabalho de parto para afastar essa sensação. Eu alternava a vontade de parir logo com a vontade de que a gestação esperasse o máximo possível passar as férias escolares do Gael. Tinha medo de não conseguir conciliar o ciúmes e cuidados com os dois. No fundo, só precisava esperar pelo menos pelo chá de bênçãos. Na quinta-feira anterior ao parto foi o dia de receber as bênçãos das amigas queridas. Dona Doula Leo chegou mais cedo em casa para pintar a barriga e traduziu toda a força da Maria em seu desenho. Até acertou que ela viria cabeluda. É muita sensitividade numa pessoa só! A tarde foi linda e emocionante. Acho que nunca me senti tão amada e protegida. O banho de boas energias foi essencial para a chegada da Batatinha. Obrigada Dea e Helena por organizarem cada detalhe e por todo esse amor! Depois de tanta ocitocina, as primeiras cólicas vieram no almoço de domingo. Cólicas gostosas que noticiavam que o processo começaria a qualquer momento. A dor ainda era boa, ainda era amiga, ainda anunciava a alegria que estava por vir. Na segunda-feira as contrações vinham mais fortes, mas ainda sem nenhum ritmo. Vida normal. Fui no Mães no Ventre e encontrei minhas doulas amadas. Leo fez uma aula especial “vem Batatinha”, foi uma delícia. Quando a noite chegou as contrações se intensificaram e ganharam ritmo. Vinham a cada 10 minutos e assim foi durante a noite toda. E a única coisa que eu conseguia pensar era “que dor amiga que nada, eu sou louca de fazer isso de novo!”. Pois é, parir dói e a gente esquece disso. Parir demora e a gente esquece disso. Parir demanda entrega e a gente esquece disso também. Avisei minhas parteiras para que ficassem a postos, pois viriam de Campinas. Avisei também minha doula Helena que as contrações vinham a cada 10 minutos e ela sugeriu que eu tentasse dormir mais essa noite. Quem disse. Ansiedade me corroendo, ela estava chegando. Dor me corroendo, eu realmente estava louca de fazer isso de novo. Isso dói! Eu e Camila, minha parteira linda, trocamos mensagens na madrugada para decidir qual o melhor momento de vir para Ribeirão. O parto do Gael demorou muito e eu não queria acioná-las cedo demais. As contrações começaram a ficar mais próximas. A cada 10 minutos, a cada 8 minutos, a cada 6 minutos. Quando decidi pedir para as parteiras virem para Ribeirão era 4h da manhã, mas elas já estavam aqui e logo chegaram na minha casa. Quando elas chegaram estávamos todos de pé, inclusive o Gael, que acorda sempre de madrugada. O plano era que ele participasse do parto da irmã, mas tínhamos um plano B caso ficasse difícil tê-lo por perto. Helena também não demorou a chegar para aliviar o processo. Apesar de ter feito o curso de doula, de ter estudado, de já ter passado por tudo isso, parece que a gente esquece de tudo. E foi bom que eu esqueci para poder me entregar por inteiro a esse novo processo. Eu vocalizava muito nas contrações e Gael começou a ficar assustado. A cada nova contração ele vinha correndo na minha direção e se chocava contra a minha barriga. Doía mais ainda. Decidimos ligar para minha mãe vir buscá-lo. Ela chegou em alguns minutos e vê-la com lágrimas nos olhos pela anunciação da chegada da pequena foi uma delícia. Queria que ela pudesse ficar comigo, mas ela precisava cuidar do Gael. Eu precisa ter certeza que ele estava bem para ficar tranquila e me soltar. Como as contrações não ficavam mais próximas, Gabriel foi trabalhar e viria quando eu achasse necessário. Algumas horas depois eu já estava ficando incomodada. Tomei banho, sentei na bola, fiquei de cócoras, e nada. As contrações começaram ficar mais espaçadas, agora vinham a cada 8/10 minutos. Fiquei desesperada. O parto do Gael estava se repetindo. Quis ligar para o homeopata, quis fazer exame de toque para ver como estava, quis subir pelas paredes. Dessa vez, felizmente, eu só não quis desistir. Nem pudera, estava escrito em letras garrafais no meu plano de parto que a equipe estava autorizada a rir da minha cara e me ignorar caso eu pedisse para ir para o hospital sem a real necessidade Logo as meninas me acalmaram. Me lembravam a todo momento que eu não precisava de nada disso, que meu corpo estava funcionando e que a Batatinha viria no tempo dela. Me conformei em tomar um banho, mas não abri mão de fazer um exame de toque para saber como meu corpo estava funcionando. Enquanto a Camila fazia o exame, fechei os olhos e repeti mil vezes mentalmente “por favor, não fala dois (centímetros), por favor, não fala dois!”. Seis. Ela disse seis. Seis! Eu não poderia estar mais feliz! Se em 12 horas eu já estava com 6 centímetros, dessa vez seria mais rápido! Para quem não sabe do parto do Gael, depois de um dia inteiro de contrações assim meio bagunçadas, mas fortes e duradouras, eu estava com apenas 1 centímetro de dilatação. Ouvir que meu corpo estava funcionando e funcionando bem mais rápido do que da primeira vez me deu aquele empurrãozinho que faltava para eu me entregar por completo. Eu ia parir e ia ser logo. Decidimos sair para caminhar um pouco. Já na esquina tive minha primeira contração desconcertante. Me apoiei na Helena, Camila e Adriana pressionando meu quadril para aliviar a dor, e eu gritei um grito que veio do âmago. Grito de bicho ferido. Grito libertador. E foi o primeiro gostinho da partolândia, comecei a perder os sentidos. Um carro que passava na rua até parou para perguntar se estava tudo bem. Foi engraçado, morremos de rir. Eu estava com dor, mas todas estávamos em ritmo de festa. Rindo e conversando e brincando e tirando fotos engraçadas, continuamos a dar a volta no quarteirão. Mais uma contração. Para tudo, concentra, grita, perde os sentidos. Continua a caminhar. Na terceira contração veio a vontade de fazer força. Pedi para voltar para casa. Enquanto subíamos pelo elevador, uma selfie de trabalho de parto. Todas conversando, morrendo de rir. Uma hora e meia antes da Maria chegar. Eu sequer imaginava que seria tão rápido. Quando entrei em casa parece que tudo se transformou. Cheguei. Estava na partolândia definitivamente. Pedi para ligarem para o Gabriel vir para casa. Ela estava chegando. Ligaram também para a Leo, minha outra doula, para que viesse logo caso não quisesse perder a chegada da Batatinha. Sentei na beirada do sofá enquanto as meninas enchiam a banheira. Me apoiei como se fosse uma banqueta. Helena sentou atrás de mim para pressionar meu quadril. Era a única coisa que aliviava a dor. Quando a Helena sugeriu que forrássemos o sofá com os lençóis absorventes e que eu tirasse a calça eu me percebi. Ela estava chegando mesmo. Estava na hora. Na nossa hora. Não sei se demorou muito ou pouco tempo, mas logo o Gabriel estava ao meu lado, segurando na minha mão, fazendo massagem na minha lombar, olhando nos meus olhos, afirmando uma e outra vez que eu estava fazendo tudo certo, que estava tudo bem, que eu estava perfeita. Meu doulo. Muito mais doula do que eu jamais saberei ser. A força que ele me passava vinha do coração. Éramos um só parindo a nossa criança. Quando a banheira estava cheia eu entrei. A vontade de empurrar vinha forte. Eu sentia ela pressionando. Mas logo parecia que eu estava naquela banheira a horas. Fiquei desanimada. Eu sentia vontade de fazer força, eu estava meio perdida dos meus sentidos, mas não tanto quanto fiquei no parto do Gael. No parto dele eu não via quem estava perto de mim, não sabia que horas eram, não tinha a menor noção de nada. Estava completamente perdida na enxurrada de hormônios que passeavam pelo meu corpo. E eu pensava “preciso me perder, ainda não me perdi, será que vai demorar?”. Quando a Camila sugeriu que eu me tocasse para ver se a pequena estava longe. Me toquei e senti a bolsa. Ela estava a meio dedo de distância. Não comemorei. Achei que isso ainda fosse muito, que fosse demorar. Gabriel estava em pé do lado de fora da banheira quando eu agarrei as suas pernas numa contração. Agarrei e fiz a maior força que meu corpo poderia aguentar. Senti que tinha chegado a hora. Era hora de nascer. Era hora de renascer. Uma segunda contração e eu ainda agarrada no Gabriel. Fiz muita força, senti meu períneo se abrindo, senti a pequena laceração que tive. Eu estava plenamente consciente do meu corpo em cada centímetro dele. E a cabeça saiu. Coloquei a mão naquela cabecinha miúda e fiquei sentindo todos seus detalhes. Seu cabelo, seu rostinho. Pude até senti-la girando dentro de mim. Que sensação maravilhosa é poder acariciar seu bebê antes mesmo dele sair de dentro de você! Na próxima contração ela saiu. Gabriel não pode pegá-la porque eu não soltei ele na hora da contração. Quem a pegou foi a dona Parteira Camila, que logo a entregou ao pai. O primeiro e mais importante item no meu plano de parto é que ninguém poderia dizer o que era o bebê. Eu queria olhar e descobrir quem era que estava sendo gestado dentro de mim durante esse tempo todo. Como eu disse no começo do relato, meu palpite era que seria outro menino, mas eu sonhava que era uma menina. Passei a gestação toda afirmando que seria menino. Na verdade, eu sabia que quem estava dentro de mim era a Maria, mas morria de medo de construir essa expectativa e depois descobrir que não era ela. Não que eu não ficaria feliz se fosse outro menino, é claro que eu ficaria. Mas sempre sonhei em ter uma menina, uma amiga e companheira para a vida toda. E era ela. Eu estava de quatro, debruçada na borda da banheira, quando ela saiu de mim. Foram alguns segundos de suspense, mas acho que alguém se esqueceu do meu plano de parto e disse “é uma menina” enquanto eu me virava. A sorte é que eu ouvi essa afirmação no mesmo momento em que coloquei meus olhos na coisa mais linda que eu já vi na vida. Um cisco de gente, uma neguinha cabeluda que, apesar da cor do pai, era a minha cara. Minha cor, minha flor, minha cara. Então agarrei aquela pequena entre meus braços e meu coração transbordava de alegria, de orgulho, de gratidão. Maria não chegava tão ao peito, o cordão era menor ainda do que o cordão de seu irmão, que já era curto. Ela ficou dentro da água, eu a segurei pertinho de mim, rostos colados, e cantei a música que tinha cantarolado quase todos os dias no último mês. Daddy’s little girl. You’re sugar, you’re spice, you’re everything nice, and you’re daddy’s little girl. Bom, no caso, era mommy’s little girl! Parece que ficamos horas e horas namorando na banheira. Ainda pedi para ouvir Ave Maria para completar a imensa gratidão que eu sentia no meu coração. Depois do que pareceu para sempre, levantei da banheira e fomos para o quarto esperar a placenta sair para cortar o cordão da Maria. Com ajuda das lindas parteiras, doulas e do meu marido amado, fomos caminhando, eu e Maria, para o quarto. Gabriel foi estendendo tapetes para que eu passasse sem sujar a casa, já que a banheira estava montada na sala. Foi uma questão de organização, mas a verdade é que eu me senti uma rainha com os tapetes sendo estendidos à minha frente. Haha! A placenta demorou uns 30 minutos para nascer. Enquanto isso Maria ficou me cheirando, super atenta e alerta com os olhinhos abertos. E eu tentando memorizar cada pedacinho dela, seu cheiro, seu calor, sua cor. Depois de algumas cólicas, a placenta saiu. Foi lindo ver a pequena ligada ao milagre que a manteve viva e saudável dentro de mim. Como a natureza é perfeita. Obrigada, dona Placenta, por ter feito seu trabalho tão bem. Gabriel cortou o cordão da pequena, que já tinha parado de pulsar. E ela finalmente veio para o peito. E mamou, e mamou e mamou, como se houvesse mamado a vida toda. Uma profissional na pega, Maria se aproveitou do bico perfeito que seu irmão moldou nesses últimos dois anos e do colostro em abundância que já saía mesmo antes dela chegar, já que Gael não deixou de mamar um dia sequer da gestação. Quando ela finalmente largou o peito, foi hora de vestir e pesar a pequena. Meu palpite foi o vencedor. Eu chutei que ela tinha 2,800kg. Maria nasceu com 2,780kg de pura lindeza. Gabriel começou a ligar para a família para dar a notícia e pedir que minha mãe trouxesse o Gael. Eu estava ansiosa para vê-lo. Foi tudo emocionante, maravilhoso, perfeito. Um parto relativamente rápido, mais ou menos 15h, que nem precisou de contrações de três em três minutos para acontecer. Redenção. Meu corpo funciona, eu sei parir, e o melhor de tudo, dessa vez não precisei de três dias para que isso acontecesse! Além de toda a alegria do nascimento da Maria, o parto domiciliar é uma festa a parte. Logo depois de ter tomado banho, fui para a sala e pude sentir o cheiro maravilhoso do almoço que dona Doula Leo estava preparando. Tudo maravilhoso, todas em festa! Quando, de repente, a porta se abre e entra meu menino no colo da minha mãe. Eu estava amamentando a Maria e ele logo protestou por seu lugar. “Tetê, mamãe.” Pediu licença à irmã (“seceeeença”) e eu o aconcheguei no meu colo e o amamentei até que ele se sentisse seguro com a movimentação diferente na casa. Nesse momento tive muita vontade de chorar. O amor que eu sentia no meu peito havia dobrado. Deus me confiou dois anjos para cuidar e eu os amava mais do que qualquer pessoa pode amar alguém na vida. Eu estava completa. Créditos fotos: Lídia Muradás e Alessandra Santana
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15/8/2014
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