"Na verdade, este parto começou a ser gerado há quase 4 anos, após o nascimento do meu primeiro filho, Miguel, por cesárea. Naquela época, por sugestão da Rox, minha primeira obstetra , comecei a participar da lista Amigas do Parto, e através das discussões da lista aos poucos fui questionando tudo aquilo que aprendi durante os anos de faculdade de medicina e na prática da neonatologia. Foi um processo lento, penoso e irreversível. Através da lista, fui abandonando a idéia do parto como algo perigoso e necessitado de inúmeras intervenções médicas.
Assim, antes mesmo de engravidar novamente, já estávamos decididos pelo parto em casa, assistido por uma parteira. Isso era uma coisa que eu fazia questão: nesta altura eu já estava convicta que a grande maioria dos obstetras não está capacitado para atender a um parto natural sem intervenções, são os vícios da nossa formação, que privilegia o uso indiscriminado da tecnologia. Através da Ana Cris (doula), conheci a Vilma Nishi, a parteira que procurávamos: experiente, dedicada, sensível, sintonizada com a força da natureza e com o significado espiritual do nascimento de uma criança. Assim que comecei o pré natal com a Vilma, na metade da gravidez já fui surpreendida pela diferença da abordagem. Ao contrário dos médicos,partíamos sempre do princípio que estava tudo bem comigo e com o bebê, e não o contrário. Foi uma gravidez ótima, nunca fui ao médico, fiz pouquíssimos exames, apenas o básico, e um único ultrassom com 24 semanas, quando soubemos que esperávamos uma menina. Eu, que nunca imaginei ter uma filha (sempre achei que teria outro menino)percebi então a oportunidade que se apresentava: eu renasceria como mulher ao dar à luz minha filha. Minha data provável do parto era 25/09, mas eu sempre tive a sensação que o bebê viria dia 24. Poucos dias antes,entrei em licença e comecei a desacelerar. Estávamos terminando uma reforma na casa e eu ainda não havia organizado as coisas do bebê. Pretendia aproveitar estes dias para isso, mas acabei não fazendo muita coisa. Meu corpo pedia descanso antecipando o que estava para vir. No dia 22, acordei bastante incomodada, com contrações indolores mas muito frequentes. À tarde, meus pais ( que nem imaginavam que o bebê nasceria em casa) vieram de Minas trazer o Miguel. Na verdade, eu havia planejado deixá-lo na casa dos avós durante a semana para ter mais tranqüilidade durante o trabalho de parto, mas surpreendentemente, ele que adora ficar com a avó, pediu para voltar depois de 1 dia porque a irmãzinha ia nascer". Lá pelas 20 horas liguei para a Ana Cris para bater papo. Comentei que achava que o parto seria dia 24 e ela apostou na outra semana. Às 22 horas, a bolsa rompeu e as contrações aumentaram de intensidade e ficaram regulares. Liguei para a Vilma e Ana Cris ( que ainda achou que era brincadeira!) e começamos a arrumar o cenário : arrastamos a cama, trouxemos o colchonete, acendemos as velas, escolhemos os CDs. Depois da meia noite, a super equipe chegou. Comentário aliviado do Fernando: "não é que o negócio funciona mesmo? Tá todo mundo aqui! Eu achava que a evolução do meu trabalho de parto seria rápida, já que no parto do Miguel cheguei a 7 cm em cerca de 5 horas. Lembro de ter pensado "errei a data, amanhã cedo minha menina já terá nascido". Quando a Vilma me examinou, levei um susto: colo do útero grosso, 1 cm de dilatação. A noite ia ser longa. Fizemos uma massagem, eu ainda tentei dormir um pouco, mas não consegui. Acabei indo para a cozinha conversar um pouco. As contrações estavam aumentando e a Vilma sugeriu que eu fosse para a banheira para relaxar um pouco. Fiquei horas na banheira, ouvindo música, à luz de velas. Apesar das dores, eu me sentia feliz, sintonizada com o meu corpo. Pensava na minha avó, que pariu 12 filhos em casa, e em todas as mulheres antes dela. Tudo estava como deveria ser, e eu me senti grata por poder viver esta experiência em casa. Durante a madrugada, as contrações foram ficando bem fortes, mas a dilatação progredia lentamente. De manhãzinha, estava com 4 cm, bastante cansada e com muita dor. Resolvi deitar um pouco, cheguei a cochilar entre uma contração e outra. Na hora do almoço, a Vilma sugeriu que eu descesse um pouco, me movimentasse, andasse no sol, mas eu estava completamente sem energia, desanimada, mal conseguia me mexer. O pessoal foi almoçar, mas eu nem podia pensar em comida. A Vilma então apareceu com um prato de comida e praticamente me obrigou a comer. Comi um pouquinho, mais para não ficar chato do que por estar com fome, e imediatamente senti alguma coisa mudar. Fiquei bem mais animada, tomei um banho, desci para a sala, consegui conversar civilizadamente com o Jorge Kuhn, que havia chegado de São Paulo para ver se conseguia assistir um parto domiciliar. A Vilma preparou uma "poção" com homeopatia para melhorar o ritmo das contrações, e elas passaram a ser mais frequentes, porém mais curtas e suportáveis. Fui caminhar no quintal, tomar sol, mexer a bacia. O Fernando e eu ficamos dançando na grama, ele me afirmando o tempo todo que tudo daria certo, que eu ia conseguir ter o nosso neném em casa, como a gente queria. Também fiquei um bom tempo sentada na bola suíca e também de cócoras, pendurada na rede. À tardinha, tomamos um lanche, e as contrações voltaram a doer bastante. À noite, um novo toque : 7 cm! Todo mundo comemorou, fiquei muito animada, continuei alternando exercícios na bola e caminhadas. Minha tia Fátima e minha prima Sophia chegaram de São Paulo para dar uma força com o Miguel e assistir ao parto. Lá pelas 11 da noite, fui deitar um pouquinho com o Miguel para fazê-lo dormir. Tive umas contrações punks (sem poder gemer muito para não assustar o menino) e quando levantei, estava com uma tremedeira incontrolável. A Ana Cris comentou que eu devia estar na transição, e me levou para o chuveiro quente, onde deu para dar uma relaxada. Por volta da meia noite, a dilatação já estava completa, com um pequeno rebordo de colo, que a Vilma tentou reduzir com a mão em todas as posições possíveis, me fazendo ver estrelas de tanta dor. Minha intuição portanto estava certa: minha menina nasceria dia 24. Lembro da Vilma dizendo: " quer fazer nascer ou prefere descansar um pouco?" Como assim, descansar? E comecei a fazer força em várias posições, de lado de quatro, deitada de cócoras. As horas foram passando, a dor beirava o insuportável. Tudo doía: os ossos da bacia, a perna, a barriga. Se eu estivesse no hospital, nessa hora teria pedido analgesia com certeza - aliás, teria pedido bem antes. Ainda bem que não estava! A Vilma, Ana Cris e o Fernando se revezavam fazendo massagem nas minhas costas nas contrações.Perdi a noção do tempo e nem sei que horas eram quando a Vilma me examinou de novo e disse que a neném estava defletida. Nesta hora, fiquei desesperada. Embora ninguém tenha jamais sugerido tal coisa, achei que teria que ir para o hospital, porque todos os bebês defletidos que eu já vi ou acabaram em cesárea ou fórceps. Daí para frente, chutei o balde: gritei, chorei, xinguei todo mundo, falei que não aguentava mais. Voltei para o chuveiro, sentada na bola.Perguntei para a Vilma: "e agora, o que a gente vai fazer?" e ela, na maior calma, disse que estava tudo bem, que eu precisava mexer o quadril, gritar se tivesse vontade. Obedeci, fiquei lá no chuveiro com a Ana Cris, depois com a minha tia, alternando entre cantar e gritar durante as contrações. Na verdade,eu já nem distinguia mais o que era contração, tudo doía o tempo todo! Experimentei ficar de cócoras durante as contrações, segurando nas mãos da Fátima, que cantava um mantra que falava da força da natureza. Saí do chuveiro, sentei no vaso e de repente senti vontade de fazer força, um puxo. Nem acreditei, parecia que o bebê estava descendo, finalmente. Chamamos todo mundo, e eu resolvi ficar no banheiro (estava dando certo, ia ser ali mesmo). O Jorge trouxe uma cadeirinha de parto, eu me sentei nela, apoiada atrás primeiro pela Ana Cris, depois pelo Fernando. A vontade de fazer força era incontrolável, ao mesmo tempo uma impressão horrível de que vai arrebentar tudo. A Ana Cris falou: "é só uma impressão, não vai rasgar nada. Agora é a hora do ’foda-se’, vai nascer.” Eu senti perfeitamente o bebê entrar na bacia, girar. Continuava doendo muito, mas agora era diferente, estava nascendo, eu me sentia cheia de energia. A Vilma colocou minha mão e a do Fernando na cabecinha do bebê, já estava uma boa parte para fora, que bom! De repente, uma força grande, a Vilma ainda tentou segurar para a cabeça sair devagar, mas não deu: a bebê saiu com tudo, mãozinha na bochecha e circular de cordão. O tempo parou. Primeiro, a sensação que eu tive é que a Vilma tinha empurrado a bebê de volta. Só depois entendi que tinha nascido. Peguei minha filha no colo, ela veio de olhos abertos, chorou um pouquinho. Olhei para as pessoas, que estavam emocionadas, chorando: O Jorge com o celular, transmitindo o nascimento para a esposa, a Ana Cris, que não assistiu ao nascimento (foi esquentar uma compressa para o períneo lá na cozinha, a pobre), minha tia e minha prima, com a filmadora, o Fernando me abraçando. Eu não sentia vontade de chorar, me sentia vitoriosa, poderosa, redimida. Com este parto, eu me perdoei pela cesárea que sofri. Olhei para minha filha, uma menina, nascida com a força da natureza, minha cura, que será um dia mulher e passará pela maravilhosa experiência de parir um filho. Como eu, minha mãe e minha avó parimos. Como todas as mulheres antes de nós. Um ciclo se fecha e recomeça hoje, com o nascimento da Lis, nome que significa lírio, ao amanhecer no início da primavera. E não tem como não agradecer a quem é devido! À Rox, por me mostrar o caminho. Ao Fernando, pelo apoio e pela firmeza na hora certa. À Ana Cris, que até hoje me surpreende pela dedicação,paciência e idealismo. Ao Jorge, pela delicadeza, atenção e por me mostrar que nossa profissão ainda tem jeito. À Vilma, que tornou tudo possível, pela sensibilidade, confiança, competência. Por acreditar nessa missão sagrada." Ana Paula Caldas pediatra neonatologista e mãe de dois filhos anapaulacaldas@hotmail.com Bom meu parto foi mais ou menos assim:
"Estava na nossa lanchonete, quando por volta das 21h senti uma forte contração. Estava sentada e logo percebi que alguma coisa tinha acontecido. Fiquei meio preocupada pois meu parto estava previsto para o dia 29/04 e ainda era dia 1º . Após a dor passar me levantei e aí tive a certeza que meu filho estava por vir, escorreu uma água quentinha pelas minhas pernas. Por incrível que pareça, não me assustei, me levantei, andei até o carro e fui pra casa pra me certificar que era realmente a bolsa que tinha rompido. No quarteirão anterior a minha casa novamente uma forte contração. Parei o carro, esperei passar e terminei meu trajeto. Chegando em casa percebi que o tampão do meu útero estava saindo, corri para o banheiro e aí sim tive certeza que a hora tinha chego. Liguei para o meu marido e pedi que viesse embora logo (ele ainda estava trabalhando); ele estranhou o pedido e me perguntou o que estava acontecendo e quando eu disse que estava em trabalho de parto ele começou a rir, perguntando se era 1o. de Abril. Quando ele percebeu que eu falava sério veio pra casa em 5 minutos... Nesse período, arrumei as minhas coisas, as do meu marido e da minha outra filha (ela iria passar o fim de semana na amiga). Quando o Fernando chegou estava tudo pronto e eu estava no banho. Passado o susto inicial, terminamos de nos arrumar e fomos para a maternidade, aqui em Franca. Chegamos lá por volta de 23:00h e minhas contrações ainda estavam bem espaçadas, mais ou menos de 15 em 15 minutos. Passei pelo plantonista (essa parte foi um terror) e pedi que chamasse minha médica. Nas consultas anteriores eu e Fernando já tínhamos conversado com ela sobre a participação dele no parto. Ela concordou desde que o hospital concordasse também. Alguns dias antes eu tinha mandado um pedido ao hospital, baseado na lei que permite o pai na sala de parto. Não deu muito tempo do hospital responder mas com a obstetra já estava tudo acertado. Fiz minha internação e fiquei no quarto junto com meu marido esperando por ela. A enfermeira veio me perguntando de lavagem intestinal e eu disse que primeiro conversaria com a médica mas que eu não queria que fosse feita. Enquanto isso, minhas contrações começaram a vir mais fortes e em menos tempo. A médica chegou por volta de meia noite e meia e assim que ela entrou no quarto minhas contrações aumentaram. Naquele momento estava com 3 cm de dilatação. Ela foi muito atenciosa, ficou comigo no quarto, conversando com o Fernando e em menos de 1 hora minha dilatação chegou aos 6 cm. Mais ou menos a 1h da manhã ela me transferiu para o pré parto e quando cheguei lá a dor ficou alucinante. Ela me perguntou sobre a peridural, se eu gostaria de receber, mas enquanto ela me explicava o procedimento minha dilatação chegou ao máximo. Meu marido estava ao meu lado, me dando todo apoio, me fazendo massagens e acho que isso colaborou para o trabalho de parto evoluir assim. As contrações começaram a ser quase que simultâneas e ela chamou meu marido para se trocar que a hora estava próxima. Deixou uma enfermeira comigo, que me pediu que passasse pra maca pra ir pra sala de parto, tentei levantar da primeira vez,não consegui. Da segunda ela me puxou e ao deitar na maca o Pedro nasceu, ali mesmo no corredor do hospital sem piques ou coisa assim. Foi uma correria dali por diante. A médica chegou ainda se arrumando e terminou de tirar meu filho, meu marido chegou quando ele já estava de fora, mas não deixou de se emocionar ao ver aquele menininho ainda ligado a mim. Eram 2 da manhã do dia 2 de abril. Daí por diante as coisas aconteceram sem que eu tomasse muito conhecimento, afinal, estava cansada. Levaram o Pedro para o berçário para ser pesado e medido. Ele nasceu com 2650g e medindo 47 cm com 36 semanas de gestação. O pai ficou correndo pra lá e pra cá, não sabia se ficava vendo as enfermeiras e a pediatra arrumarem ele ou se ficava comigo. Logo as enfermeiras o trouxeram pra mamar e enfim pudemos ficar todos juntos. Levei alguns pontos, mas eram vasinhos que se arrebentaram com a passagem dele, ao todo foram 5 que logo caíram sem deixar marcas ou dor. Durante o período que permaneci no hospital ficamos os três no quarto e confesso que foram horas maravilhosas, mesmo sendo no hospital. Minha recuperação foi excelente, sem nenhuma complicação e o melhor é que o vínculo entre o pai e o Pedro é super forte, parece que o Fernando de certa forma "pariu" ele também." E é isso aí, graças a vocês pude ter o parto que sempre quis, quase sem intervenção nenhuma e com o pai presente. Sem dúvida nenhuma isso fortaleceu os laços entre os dois e entre nós também, afinal fomos cúmplices do início ao fim. Um grande beijo e que Deus abençoe esse trabalho lindo que vocês fazem. Marina A doce espera...
Dezembro/2007 a Janeiro/2008 "Depois de uma tranqüila gestação, eis que chega o grande dia tão esperado. Era uma manhã quente de janeiro (10/01/08) em Ribeirão Preto, onde estávamos apenas para este grande acontecimento: o nascimento de nossa primeira filha – Nicole. A doce espera já estava se transformando em um eterno exercício de autocontrole, pois já estávamos na 41a semana de gestação. Duas semanas antes havíamos passado por uma fase estressante quando a médica, que nos acompanhara durante todo o pré-natal, nos anunciou na ultima consulta que sairia de férias e viajaria na data prevista do parto (seis de janeiro). Ao tomar conhecimento da ausência da médica, imediatamente iniciamos a busca por um outro obstetra que nos garantisse o parto normal e consciente. Porém, havia alguns obstáculos - nenhum médico estava disposto a atender um caso na noite de natal ou na virada de ano. Todos já tinham suas férias programadas, os hospitais ofereciam seus médicos de plantão: todos cesaristas. Resolvemos sair de São Paulo para não correr o risco de uma “desne-cesária”. Buscamos a ajuda de amigos fora de São Paulo, uma colega de infância em São José dos Campos, Juliana Paola. Apesar de nos orientar sobre os procedimentos do trabalho de parto, também estava com férias programadas com a família. Seria injusto comprometê-la. Luiz Carlos, meu marido, com toda sua calma, iniciou uma pesquisa pelo Internet sobre grupos de parto humanizado e para nossa surpresa encontrou o Despertar do Parto em Ribeirão Preto – região onde sua família vive. Na mesma hora entramos em contato com Eleonora Moraes (doula do Despertar) que nos atendeu com toda atenção e nos orientou sobre Helena Junqueira, que estaria disponível como doula durante aquele período. Helena nos sugeriu um obstetra com prática no parto normal que se dispôs para nosso caso. Mesmo sem conhecê-las pessoalmente, Eleonora e Helena nos transmitiram uma certa confiança e imediatamente fizemos as malas, nos despedimos de nosso ninho, deixamos a casa, saímos rumo ao interior... viajamos de São Paulo a Jaboticabal em véspera de Natal para iniciar a doce espera. No caminho, fui imaginando que tudo era uma grande surpresa, mas estava feliz por sair de São Paulo. A situação me inspirava confiança. Já tinha o costume de conversar muito com Nicole e expliquei a ela que todo aquele estresse era por ela e que tudo sairia bem. Chegamos na casa de meus sogros. Um lar em harmonia com um lindo quintal cheio de flores e uma ducha onde passaríamos as duas semanas nos refrescando do calor daquele verão. Passamos pela noite de Natal, nada de Nicole. Passamos pela noite de Ano Novo e nada de nada. Durantes estas semanas visitávamos o obstetra que, sempre calmo, nos tranqüilizava mesmo ao ultrapassar as 40 semanas de gestação. Os dias de férias foram ocupados pela nossa ansiedade e para driblá-la saímos para caminhar nos parques da cidade, centro e shoppings. Uma doce espera... Dia 10 de janeiro de 2008. 7 horas – doce manhã Nesta manhã em que completamos 41 semanas, marcamos o ultra-som para saber dos batimentos cardíacos da bebê que crescia e a cada dia ganhava mais peso. Nesse mesmo dia me levantei as 7:00 com uma forte repuxada no abdômen e às 8:30, durante a consulta na mesa de ultrasonografia, tive a certeza que esse seria o grande dia. As contrações começaram levemente como uma cólica já conhecida. Eram pontadas na região do útero que duravam poucos segundos, em espaços de tempo irregulares. Cá me convidou para um cafezinho no centro da cidade com direito a um passeio pelas calçadas do comércio, passando pelo bar do Pinguin e pela praça principal. Às 10 horas da manhã, as contrações ainda eram suportáveis para esta caminhada matinal. Até o meio dia eu me sentia muito bem e aproveitei para ir a piscina e fazer exercícios com a bola. Avisamos a nossa doula e o médico e permanecemos na área de lazer para passar as horas ao ar livre. Na piscina com Cá estávamos imensamente felizes porque sabíamos que, em algumas horas mais, estaríamos transformados pelo encanto de uma nova fase de nossas vidas com a chegada da nossa filhotinha. Durante as contrações, tinha o prazer de respirar profundamente e dominar o meu corpo, puxar o ar e entrar dentro de mim mesma. Fechava os olhos para que o ar invadisse todas as minhas veias e meu pulmão e, quando eu abria os olhos novamente, a minha felicidade era sentir que Cá estava comigo nesta experiência, participando com sua presença e sentindo esta profundidade de nosso sonho se aproximando cada vez mais. Helena veio nos visitar e foi um momento muito especial. Praticamos juntas as respirações, uma massagem e mais rebolados. Uma paz invadia nosso ambiente. As contrações aconteciam quase que regularmente e, entre elas, eu conseguia conversar. Era uma sensação deliciosa, em que o corpo estava totalmente presente e a mente atenta. Helena se foi e nos deixou muito à vontade e confiantes em nós mesmos. Meio-dia – sol de rachar Não tinha vontade de comer, mas o almoço foi servido pelo Cá. Tomei muito suco, muita água e as horas iam passando... as contrações iam se intensificando. Continuei os exercícios com a bola e banho quente... Cá me ajudava com as respirações e massagens. Muitos pensamentos, muitas palavras vinham à mente... eram quase como alucinações. Lembrei-me de nossa primeira doula que nos acompanhara em São Paulo, Lucía Caldeyro. Ela nos dizia para usar toda a sensualidade do corpo neste dia, com muitos rebolados, movimentos com a bacia e remelexos... Tudo veio à mente...as conversas com o pessoal do Grupo de Apoio a Maternidade Ativa (GAMA), as historias de parto de minha avó Angelina, das experiências de minha mãe, de minhas amigas (novas mães), e cada trecho dos livros lidos... Cinco da tarde – as contrações já eram tão verdadeiras quanto a certeza de que estavam se intensificando e regularizando. Assim foi até às 18h, quando visitamos o médico que nos informou da evolução de nossa situação: 3 a 4 de dilatação. Faltava muito, mas tudo caminhava bem. Quando as dores tornaram-se um furacão e o domínio sobre minhas respirações foi ficando tenso, decidi então que era hora de irmos para a maternidade e continuar o trabalho de parto por lá, em companhia do nosso médico. Saímos do apartamento, descemos a escada. O irmão de Luiz fotografou este último momento com a imensa barriga sendo levada em meio às profundas pausas para respiração. Quase já não podia falar e rir entre as contrações. Sentei-me no banco traseiro do carro onde me agarrei em cada curva e durante os minutos em que as dores me faziam contorcer. 21 horas – Apartamento cor-de-rosa Chegamos no hospital-maternidade. Duas enfermeiras sem nome me conduziram para o elevador e me encaminharam para um apartamento cor-de-rosa. Eu ainda andando segui sem maca ao elevador. No elevador estavam mais duas enfermeiras que me dirigiram comentários estúpidos sobre a opção do parto normal: - “Tem certeza? ...Ai coitada, é um sofrimento que leva horas”. Uma delas tentou concertar o comentário, mas eu simplesmente ignorei. Luiz Carlos ainda estava na burocracia da recepção. Quando chegou no mundo cor-de-rosa me encontrou com um vestidinho da mesma cor em respirações controladas. As enfermeiras nos deixaram. Fui para o banho morno à espera de um relaxamento com a bola, que veio com o nosso médico muito sorridente. Era um sacrifício ficar deitada. Exame de toque: 7 de dilatação. Uh! Evoluímos, mas falta um tanto! Permanecemos sós no apartamento. Entre as respirações profundas Cá estava presente. Um alívio! As dores eram fortíssimas, mas ainda nada de bolsa rota, nada do tampão aparecer. Tomei água, tomei suco de caixinha, comi um polenguinho. Andei pelo quarto, me contorci com a bola e mergulhei na partolândia. Deixei que minha mente entrasse em alfa, conduzi minha respiração para que as dores fossem sendo dominadas. Lá vinha a dor, fechava os olhos para a respiração profunda, abria os olhos... lá estava o Cá, meu anjo e minha luz. Eis que em algum momento me senti gelada e meu corpo amolecido. Vomitei o que tinha tomado. Parecia que meu corpo queria expulsar o que havia ingerido. Mais um banho quente, desta vez em pé e apoiada por Luiz. Me preocupei em perder forças, mas em nenhum momento tive medo porque estava tão feliz de sentir aproximar a hora do nosso encontro com a nossa filha. Ainda no chuveiro tive náuseas, vomitei pela segunda vez e meu corpo gelava, me atrapalhei com a respiração, as dores quase me dominaram. Não achava uma posição confortável. O médico me sugeriu que deitasse, experimentei, mas me arrependi quando uma forte contração veio enfurecida. Gritei pro Cá me ajudar. Me levantei, tentei caminhar, mas minhas pernas não obedeciam. Foi então que me rendi à anestesia. 24:00 – Partolândia Me rendi à anestesia, mas muito consciente de que esta era uma opção minha e de meu corpo. O que mais desejava era receber Nicole com consciência e com disposição para apresentá-la ao mundo no seu primeiro momento de vida. A enfermeira chegou com a maca, beijei Luiz Carlos e o deixei ir para reencontrá-lo na sala do parto. Nos reencontramos depois da aplicação peridural. Todos embrulhados em uma ridícula roupa verde que mais parecia lona de caminhão. Na sala estavam o nosso obstetra, o anestesista e duas outras enfermeiras. Neste momento estava com 8 de dilatação. Chegou o pediatra, que tinha fama de “piadista” porque trabalhava contando piadas. Dentro de alguns segundos estava totalmente aliviada. As contrações eram distantes, mas presentes. Sentia minhas pernas, mas movia com dificuldade a perna esquerda. Na veia me aplicaram a bendita oxcitocina, para que as contrações não faltassem, e uma maldita glicose que entrou queimando na veia da mão. Apesar de toda essa parafernália do clima cirúrgico, me sentia extasiada de alegria e conversava com o médico para saber da oxcitocina, das contrações e da dilatação. As piadas do pediatra não faziam sentido para mim neste momento, preferi abstraí-lo. Me concentrei e minha respiração voltou ao normal, pude controlá-la e daí em diante mergulhei novamente na partolandia, controlando as contrações com a respiração até que o obstetranos informou que a dilatação estava completa e podia conduzir para a expulsão. Lembrei que a hora da expulsão é um momento natural e que Nicole saberia qual seria sua hora. Cá, ao meu lado, já não sabia se segurava minha mão ou se ia ao encontro de Nicole. As contrações eram indolores, apenas me pressionavam a região do abdômen. Mais uma contração e outra e, de repente, senti uma pressão na região do períneo, um leve ardor minimizado pela anestesia, nada que me deixasse sem fôlego. Nicole estava chegando, eu já sentia. O médico pediu para apagar as luzes da mesa e deixar a sala em luz suave. Nicole estava chegando, toquei sua cabeça, Cá também experimentou a mesma sensação. Todos se juntaram por alguns minutos à mesa em silêncio. Era 1:36 da manhã do dia 11 de janeiro e Luiz Carlos me olhava sem saber pra onde ir, mas foi recebê-la e me trouxe a pequena ainda conectada ao cordão umbilical. Finalmente, Cá foi muito além de sua presença, foi a força e a energia que Nicole e eu precisávamos. Ela chegou silenciosa, de olhinhos negros semi-abertos, muito cabeluda, mãos pequenas e ativas. Sem chorar pudemos senti-la em meu peito. Enfim, nós três ligados pela mesma sensação. Uma emoção apaixonante que ficará para sempre em cada um de nós três. Bem-vinda ao nosso mundo, Nicole... nós já te amamos. Os procedimentos do parto e nascimento de Nicole Nicole nasceu com 3,370 kg e 49,5 cm. A recebemos ainda ligada no cordão umbilical. O pai se distraiu e se emocionou e por isso não cortou o cordão. A mãe, enquanto a recebia, recebia os três pontos no períneo, apesar de não ter havido necessidade de episiotomia, foram necessários os pontos. A anestesia foi uma opção depois de 13 horas de trabalho de parto quando me sentia fraca, pela ânsia de vomito e queda de pressão. Foi a decisão mais certeira porque depois disso me re-estabeleci em minhas forças, minha respiração e minha alegria em recebê-la consciente. Houve aplicação de um soro com dosagens de glicose (que me ardia a veia da mão) e oxicitocina, logo após a anestesia. Estava deitada numa maca estreita, nada confortável. A sala era simples, com luz intensa em cima de minha mesa. As contrações ainda estavam presentes até que a anestesia chegou em minhas pernas e abdômen e logo a dor se foi. Alegria, pude sorrir e respirar. Carlinhos chegou de verde-oliva depois de alguns minutos. Me colocaram as perneiras com as pernas abertas e uma lona verde para garantir assepsia. Não consegui ver quase nada, e pedi para remover parte daquela lona. Apesar de não ter gostado destes procedimentos, resolvi me concentrar no que estava por acontecer. Os médicos (anestesista e obstetra) foram excelentes, respeitando minhas sensações. A comunicação era pacífica, vozes suaves. O pediatra chegou e apesar de ser muito bem humorado e piadista, falou demasiado. Participei de algumas piadas, ri, comentei, mas depois voltei a concentrar-me. O que ajudou na comunicação com o obstetra, sem dúvida foi ter lhe apresentado antes o meu plano de parto. Isso me deu a sensação de que tínhamos um certo acordo. Diferentemente ocorreu com o pediatra, que conheci somente na sala de parto. Infelizmente o que mais me desagradou foram as enfermeiras que seguiam ordens sem analisar a situação. Agiam como se estivessem em cirurgia: - “passa a aliança e os brincos”. Recusei em obedecê-las. Os procedimentos com a bebê seguiram os procedimentos tradicionais, porém algumas exceções. Sem o colírio e apenas duas horas na estufa. Nos separaram dela para a limpeza de seu corpinho e medições... Enquanto isso segui para o apartamento para um banho. Eu e Cá aguardamos estas duas horas que para nós foram eternas. Três da manhã e Nicole chegou de roupinha salmão e choramingando... as enfermeiras nos deixaram. Instintivamente me coloquei na posição para amamentá-la pela primeira vez e então, respirei aliviada e um choro forte tomou conta de mim. Iniciava-se uma nova fase da minha vida com Nicole e Luiz Carlos. A primeira madrugada com Nicole foi algo extasiante. Sentia-me cheia de energia e muito disposta. Não pudemos dormir porque estávamos encantados. Nini ficou conosco todo o tempo. Na tarde do dia 11 vieram algumas visitas familiares. Helena nos presenteou com sua visita e orientações para a amamentação. Saímos da maternidade um dia e meio depois. Saí andando, carregando Nicole no colo. Fizemos nossa primeira viagem com ela até Jaboticabal. Ela nos olhava com os olhinhos bem arregalados. Três meses depois.... A recuperação física foi excelente e rápida. Mesmo assim é importante comentar que os quinze primeiros dias me senti extremamente frágil. Incomodavam os pontos no períneo e as mamadas eram doloridas. Meu corpo estava exausto como se tivesse participado de uma luta de boxe. Durante os primeiros dez dias ficamos na casa dos pais do Cá. Recebemos toda atenção, conforto e carinho nestes dias de dores e adaptação. Helena também esteve presente e nos orientava sobre a alimentação, amamentação e banhinhos relaxantes para Nicole. Resolvemos voltar logo para São Paulo pois estávamos ansiosos em chegar ao nosso ninho e apresentar nosso lar a mais nova integrante da família. A vida se transformou totalmente." Liviam Elisabeth Cordeiro Beduschi licorbe@hotmail.com |
Depoimentos de PartosSe você quiser compartilhar o seu depoimento, clique aqui e envie. Categorias
All
|
14/8/2008
0 Comments